Valor Econômico, v. 20, n. 4967, 25/03/2020. Opinião, p. A14

Governo tropeça no apoio ao mercado de trabalho



Nos últimos dias uma enxurrada de negociações entre empresas e empregados foram desencadeadas para rever convenções coletivas de trabalho. A intenção é tentar preservar o emprego, diante do impacto da pandemia de coronavírus na economia. O governo já reduziu a previsão para o Produto Interno Bruto (PIB) deste ano de crescimento de 2,1% para 0,02%, considerada otimista.

O Valor apurou que alguns acordos prevendo redução de jornada e salários já foram fechados por trabalhadores das indústrias mecânicas e metalúrgicas de Blumenau, em Santa Catarina, e da construção e de bares e restaurantes da cidade do Rio de Janeiro (20/3). Esses setores se anteciparam a uma das propostas do governo para enfrentar a crise da pandemia, que é permitir a redução de até 50% da jornada de trabalho, com corte do salário na mesma proporção, sem diminuir os valores recebidos por hora pelo empregado. Nos casos registrados, a redução é de 25% tanto da jornada quanto dos salários, respeitando as regras atuais e o valor do salário mínimo.

Os acordos também admitem a suspensão de contratos e a instituição de férias coletivas, como forma de preservar os postos de trabalho e ainda o parcelamento de verbas rescisórias, em caso de demissões.

Governos do mundo todo receiam as inevitáveis consequências negativas do coronavírus na economia e no mercado de trabalho. Alguns com disponibilidade de recursos já anunciaram medidas de exceção. A Alemanha prometeu compensar os que tiverem a jornada reduzida para meio período. O Reino Unido vai pagar até 80% do salário dos trabalhadores nos próximos meses. Os EUA incluíram no pacote emergencial a distribuição de US$ 1 mil para cada americano.

Com muito menos recursos, o governo brasileiro protagoniza mais confusão. Na semana passada, anunciou que iria autorizar a suspensão dos contratos de trabalho por quatro meses, período em que o empregador manteria benefícios como plano de saúde e ofereceria cursos de qualificação. O governo, de seu lado, estenderia alguma compensação. Mas a Medida Provisória (MP) a respeito do assunto, a 927, que saiu na madrugada da segunda-feira, não trouxe as contrapartidas prometidas e deixou o trabalhador no ar. Bolsonaro teve que voltar atrás, sob o risco de ser chamado de “exterminador de emprego”, acusação que havia dirigido a governadores que implementaram a quarentena.

Mas ficarão valendo outros pontos da MP, como o que criou o trabalho a distância, como home office; o regime especial de compensação de horas no futuro em caso de eventual interrupção da jornada de trabalho durante calamidade pública; a suspensão de férias para trabalhadores da área de saúde e de serviços considerados essenciais; a antecipação de férias individuais, com aviso ao trabalhador até 48 horas antes; a concessão de férias coletivas; o aproveitamento e antecipação de feriados; a suspensão de exigências administrativas em segurança e saúde no trabalho; e o adiamento do recolhimento do FGTS.

Não foram ainda abordadas, porém, outras promessas feitas na semana passada, que tinham como justificativa a preservação do emprego. Uma delas é a possibilidade de redução da jornada em 50% com diminuição proporcional do salário e apoio da parte do governo. O governo havia prometido que compensaria o trabalhador que ganha até dois salários

mínimos com recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). O governo calcula que 11 milhões de trabalhadores poderão ser beneficiados ao custo de R$ 10 bilhões, bancados pelo Tesouro porque o FAT é deficitário.

A MP também não abordou a situação do trabalhador informal, totalmente desprotegido. Até o presidente Jair Bolsonaro percebeu que ambulantes e trabalhadores informais serão os mais afetados: “Da nossa parte, criamos um voucher. É pequeno? É pequeno: R$ 200. É o que nós podemos fazer, pra 20 milhões de pessoas”. O auxílio, previsto para durar três meses também precisará ser criado legalmente e deverá beneficiar quem não recebe algum outro tipo de ajuda, como Bolsa Família. Calcula-se que o custo potencial é de R$ 11 bilhões se 18 milhões de pessoas forem beneficiadas. Mas o universo total de informais chega a 38 milhões de pessoas.

Enquanto o governo tropeça na criação das novas regras, o noticiário já traz a paralisação de indústrias e empresas de varejo, e a previsão de demissões acima de 5 milhões de pessoas.