O Globo, n. 32539, 08/09/2022. Política, p. 4

Movido a máquina



O presidente Jair Bolsonaro (PL) transformou as comemorações oficiais do 7 de Setembro em seu maior ato da campanha à reeleição até o momento, usando a data como mote para reunir milhares de apoiadores em Brasília e no Rio, com a participação das Forças Armadas. Especialistas, procuradores e ex-ministros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE ) avaliam que a transformação do desfile militar em palanque eleitoral justifica a abertura de uma investigação contra o presidente por abuso de poder político e econômico. Em seus discursos, Bolsonaro pediu votos, atacou o ex-presidente Lula, a quem se referiu como “quadrilheiro de nove dedos”, e a esquerda, afirmando que “esse tipo de gente tem que ser extirpado da vida pública”. Nas redes sociais, aliados capitalizaram o público presente como demonstração de força eleitoral.

O presidente também fez insinuações contra os outros Poderes, afirmando que “todos sabem o que é a Câmara dos Deputados, o Senado Federal, e também todos sabem o que é o Supremo Tribunal Federal”, além de ameaças veladas:

— É obrigação de todos jogarem dentro das quatro linhas da Constituição. Com a minha reeleição, nós traremos para as quatro linhas todos aqueles que ousam ficar fora dela.

Apoiadores do presidente foram às ruas com cartazes e faixas atacando o STF e pedindo intervenção militar. O público também vaiava o Supremo a cada crítica feita por Bolsonaro em seus discursos.

Pela manhã, após participar em Brasília da cerimônia oficial do desfile cívico militar do 7 de Setembro, Bolsonaro subiu em um carro de som e discursou para apoiadores. À tarde, o presidente veio para o Rio, participou de uma motociata, e discursou novamente em um trio elétrico em Copacabana. Ele assistiu a apresentação da esquadrilha da fumaça e de paraquedistas do Exército e da Aeronáutica. Também houve parada naval e salva de tiros de canhão. No Rio, em Brasília e em São Paulo, uma multidão foi às ruas vestida de verde e amarelo, atendendo convocação de Bolsonaro.

Nas redes sociais, ministros usaram as imagens do público presente para exibir força. “É…vamos nos render: os institutos (de pesquisa) estão certos! A fotografia da derrota. Vazio total. A foto é fake news! O presidente não tem apoio do povo…Só que não !!!! Bolsonaro presidente pelo bem do Brasil e com a força do povo!”, postou Ciro Nogueira (Casa Civil).

Ministro aposentado do STF e do TSE, Carlos Ayres Britto afirma que a Constituição proíbe que um ato de celebração da independência do Brasil seja usado com finalidade eleitoral:

— No artigo 37, a Constituição fala do princípio da impessoalidade. Nada do que é financiado por recurso público pode deixar de ter finalidade educativa, informativa ou de orientação social. Não pode, portanto, financiar um ato de celebração à independência do Brasil para apropriar-se dele, imprimindo finalidade eleitoral, finalidade personalíssima em favor desse ou daquele candidato.

“Bem contra o mal”

As insinuações antidemocráticas começaram antes mesmo do primeiro evento. Em café da manhã com aliados no Alvorada, o presidente citou anos marcantes da História brasileira, como 1964 (golpe militar), 2016 (impeachment de Dilma Rousseff) e 2018 (sua vitória eleitoral) e disse que “a História pode se repetir, o bem sempre vence o mal”. O tom maniqueísta também esteve presente nos discursos em palanque, onde Bolsonaro voltou a definir a corrida eleitoral como uma disputa “contra o mal”, circunscreveu escândalos de corrupção aos governos petistas e atacou Lula e regimes autoritários de esquerda na América Latina, como Venezuela e Nicarágua.

—Todos esses chefes dessas nações são amigos do quadrilheiro de nove dedos que disputa a eleição. Não é apenas voltar à cena do crime. Esse tipo de gente tem que ser extirpado na vida pública — disse Bolsonaro.

O presidente pediu votos abertamente:

— A vontade do povo se fará presente no próximo dia dois de outubro. Vamos todos votar. Vamos convencer aqueles que pensam diferente de nós, vamos convencê-lo do que é melhor para o nosso Brasil.

Bolsonaro não economizou no viés religioso e de defesa de valores conservadores.

— Somos uma pátria majoritariamente cristã, que não quer a liberação das drogas, que não quer legalização do aborto, que não admite a ideologia de gênero — afirmou ele, ao lado da primeira-dama Michelle, que repetia “amém”.

Após os atos em Brasília e no Rio, Bolsonaro foi ao Maracanã assistir ao jogo do Flamengo pela Libertadores. Ele foi muito vaiado quando apareceu no telão, mas também foi saudado com gritos de “mito”.