Título: Dieese: 50 anos de história
Autor: Eduardo Suplicy
Fonte: Jornal do Brasil, 27/11/2005, Outras Opiniões, p. A11

Desde 1955 o Dieese dá aos trabalhadores os subsídios para a conquista, por meio de estudos e pesquisas, de melhores condições de vida e de trabalho no Brasil. O Dieese nasceu em 22 de dezembro - pode-se dizer que foi um verdadeiro presente de Natal aos trabalhadores, que dura até hoje.

Tudo começou com um grupo de 21 dirigentes sindicais de São Paulo, que já havia realizado uma série de mobilizações conjuntas e decidiu construir um organismo próprio dos trabalhadores para produzir dados que embasassem suas negociações salariais.

Hoje o Dieese é uma entidade fundamental na análise sócio-econômica do país. Ante-ontem mesmo um dos seus trabalhos, que apontava a preocupante queda de 30,8% na renda dos trabalhadores nos últimos dez anos, foi manchete dos jornais mais importantes do país. A pesquisa também mostra que os 10% mais pobres perderam menos que os 10% mais ricos no período - 17,2% contra 38,6%. A partir de dados como esses se produzirão análises que podem - ou melhor, devem - nortear muitas das políticas públicas no Brasil. Hoje o Dieese é considerado uma das instituições de maior credibilidade do país. Com o seu trabalho quebrou-se o monopólio das empresas sobre essas informações.

Nos seus primeiros anos, o Dieese trabalhou na implantação do ICV (Índice de Custo de Vida) para a cidade de São Paulo, vigoroso instrumento de estudo e defesa do poder de compra dos salários. Realizou também pesquisas fundamentais para o estudo da economia e das relações sociais no Brasil, como a Pesquisa de Orçamento Familiar (POF), concluída no início dos anos 70. E, em 1973, denunciou a manipulação dos índices de inflação do governo, quando acontecia o ''milagre econômico'', em plena ditadura militar. Posteriormente, com o reconhecimento público da manipulação, confirmou-se que o Dieese tinha toda a razão.

Participei desses episódios como editor de economia da revista Visão e, de 1976 a 1980, quando pude analisar esses assuntos nas colunas que escrevia na Folha de S.Paulo. Nessa época Walter Barelli era diretor-técnico do Dieese. Hoje ele é deputado federal pelo PSDB e, nos anos 80 e 90, foi também um companheiro dentro do PT, tendo sido coordenador do governo paralelo, na área econômica, do então candidato a presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Lembro-me que, certa vez, ao analisar o relatório do Banco Mundial solicitado por Paulo Francis, na redação da Folha de S.Paulo, reparei na nota de rodapé dizendo que havia um ajuste no índice de preços da Fundação Getúlio Vargas que era considerado o índice oficial, bem como o do IBGE. Diante da disparidade entre os dados do governo da época e o Índice de Custo de Vida, do Dieese, descobrimos que, de fato, o índice oficial havia sido ajustado para menos, levando os trabalhadores a terem um índice de reajuste menor do que mereciam. Isso desencadeou um grande movimento no meio sindical, inclusive entre os metalúrgicos do ABC. Resultou numa campanha e na greve dos trabalhadores, primeiro da Scania e depois em todas as indústrias automobilísticas e metalúrgicas, o que acabou tendo enorme influência na história brasileira.

O Dieese também é pioneiro na evolução das pesquisas de emprego e desemprego no Brasil. Já nos anos 80, antevendo a necessidade de melhor compreensão do mercado de trabalho, o Dieese, em conjunto com acadêmicos, iniciou um debate que resultou na estruturação de uma das mais importantes pesquisas sobre mercado de trabalho: a Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED), realizada em parceria com a Fundação Seade, órgão da Secretaria de Economia e Planejamento do Estado de São Paulo. A PED, hoje, é referência em todo o país, muitas vezes contrapondo-se às estatísticas oficiais.

E faz mais ainda: também se dedica à formação de dirigentes sindicais. Como marca da criatividade e ousadia dos trabalhadores brasileiros, é uma entidade única em todo o mundo, por reunir, com um único objetivo, a maioria das correntes do movimento sindical e fornecer subsídios para suas lutas e conquistas. Ali estão a CUT, a Força Sindical, a CGT, todas as centrais de trabalhadores brasileiros, inclusive do meio rural.

Há cerca de quatro anos, estive presente num dos seminários promovidos pelo Dieese, junto com Guy Standing, diretor de relações de trabalho da Organização Internacional do Trabalho, que debateu o tema da garantia de uma renda para todas as pessoas, a renda básica de cidadania.

Na quinta-feira passada, da tribuna do Senado, coloquei-me à disposição do atual presidente do Dieese, Carlos Andreus Ortiz, para debater o tema da Renda Básica de Cidadania, seus efeitos sobre o mercado de trabalho, sobre a renda dos trabalhadores. Acredito profundamente nessa proposição que agora é lei e que será instituída gradualmente, como um desenvolvimento do programa Bolsa-Família, até que toda e qualquer pessoa, não importando a sua origem, raça, sexo, idade, condição civil ou socioeconômica, tenha a possibilidade de participar da riqueza da nação, como um direito à cidadania.

Parabéns, Dieese! E obrigado por tudo.