O Globo, n. 32540, 09/09/2022. Economia, p. 15

Queda no IDH

Manoel Ventura


No primeiro relatório que identifica os impactos causados pela pandemia de Covid-19 no bem-estar da população mundial, o Brasil caiu uma posição no ranking de desenvolvimento humano das Nações Unidas, que considera indicadores de saúde, escolaridade e renda. Dados do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) divulgados ontem mostram que o país recuou da 86ª posição em 2019 para a 87ª em 2021.

O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) brasileiro ficou em 0,754, considerado pelo Pnud um patamar elevado. Mas, com a perda de desenvolvimento humano por dois anos seguidos, o Brasil recuou ao patamar de 2014, quando o IDH do país também era de 0,754. É um retrocesso maior do que a média mundial — o IDH global retrocedeu ao nível de 2016. Pela metodologia do Pnud, quanto mais próximo de 1, maior o desenvolvimento humano.

Comparando com os dados de 2019, a dimensão que derrubou o IDH brasileiro foi a saúde, o que evidencia o impacto da alta mortalidade no país durante a pandemia. A renda média do brasileiro avançou em relação a 2019, enquanto os indicadores de educação ficaram estagnados.

Em 2019, a expectativa de vida média do brasileiro ao nascer era de 75,3 anos. Agora, este número caiu para 72,8 anos. Neste quesito, o país retrocedeu 13 anos. A esperança de vida média ao nascer hoje é praticamente igual à de 2008, que era de 72,7 anos.

O Brasil é o segundo país com maior número de mortes por Covid-19 no mundo, atrás apenas dos Estados Unidos. Mais de 684 mil brasileiros morreram na pandemia. Nos EUA, onde as mortes por Covid ultrapassaram um milhão, a expectativa de vida caiu 1,9 ano, para 77,2 anos, ao nascer. A queda da expectativa de vida do brasileiro também foi maior que a média global, que sofreu uma redução de 1,6 ano, para 71,4 anos.

No mundo, o IDH voltou aos níveis de 2016, com mais de 90% dos países registrando declínio na pontuação em 2020 ou 2021, anos em que o planeta foi afetado fortemente pela pandemia. O IDH global é de 0,732.

O Brasil vinha subindo seu IDH ano a ano. Em 2010, por exemplo, era de 0,723. Com a pandemia e a crise econômica, o país estacionou e retrocedeu no desenvolvimento humano.

Os três primeiros colocados no ranking foram Suécia, Noruega e Islândia. Na América do Sul, o Chile tem a melhor classificação, com 0,855 de IDH, em 42º lugar.

Impacto da desigualdade

No Brasil, o desenvolvimento humano despenca ainda mais quando a desigualdade entra na equação. O país perde nada menos que 20 posições quando o indicador é ajustado à desigualdade. O IDH de 0,754 cai para 0,576, uma queda de 23,6%. A principal causa para o resultado brasileiro neste indicador é a desigualdade de renda.

O Relatório de Desenvolvimento Humano 2021/2022 foi divulgado ontem. Até então, o dado mais recente era de 2020, referente ao ano anterior. Portanto, este é o primeiro relatório do IDH que captura o impacto da pandemia no desenvolvimento humano. O IDH mede a saúde, a educação e o padrão de vida de uma nação.

O pesquisador e demógrafo José Eustáquio Diniz Alves afirma que o país caiu mais que a média mundial e, além disso, teve um desempenho pior que seus vizinhos sulamericanos. Ele calcula, por exemplo, que se o país tivesse combatido a pandemia como o mesmo ri gorda Nova Zelândia, seriam 120 mil mortes, e não o patamar atual, que supera 684 mil. Essa conta é feita com base no número de mortes por habitante.

— O que esse número mostra é que o combate à pandemia foi um desastre. Atribuo essa queda na expectativa de vida e, consequentemente, no IDH a um fracasso na política de controle da pandemia no Brasil — afirma.

— Na Nova Zelândia, que fez um trabalho bem feito de combate à pandemia, o IDH subiu. Mesmo com IDH muito alto, ela conseguiu aumentar mais ainda, porque conseguiu controlar a pandemia em 2020 e 2021.

China ultrapassa o Brasil

Diniz Alves afirma ainda que há uma tendência de que os dados de educação piorem no Brasil. Segundo ele, os dados atuais estão defasados. O IDH mede, além da média de anos de estudo, a expectativa de anos na escola. O pesquisador também chama atenção para os dados da China. O país tinha um IDH de apenas 0,499 em 1990, enquanto o do Brasil era de 0,613. Nas últimas décadas, os dois IDHs se aproximaram, e em 2021 a China ultrapassou o Brasil pela primeira vez — o IDH do país asiático agora é de 0,768.

Betina Barbosa, coordenadora da unidade de desenvolvimento humano do Pnud no Brasil, afirma que a instituição evita fazer comparações entre médias e ressalta que é preciso analisar cada número:

— A pegada do relatório para o Brasil é mais preocupante que a queda no ranking e no índice. Isso significa que o Brasil precisa rapidamente se recuperar na dimensão em que ele não reagiu, que é a saúde. Precisa repensar suas políticas em tempos de crise.

A pesquisadora também reconhece que há dificuldade de capturar alguns indicadores ao redor do mundo e que será preciso acompanhar o relatório dos próximos anos para confirmar os impactos da pandemia e a sua recuperação:

— Tivemos graus de dificuldade em diferentes órgãos em termos de estatística. O Pnud não vai rever os dados publicados hoje (ontem), mas sabe que precisamos estar muito atentos às estatísticas de 2022, 2023 e 2024 para acompanhar a recuperação e os impactos da pandemia.