O Globo, n. 32540, 09/09/2022. Política, p. 4

Distância institucional

Bruno Góes
Mariana Muniz
André Souza


Ausentes dos atos do 7 de Setembro, transformados pelo presidente Jair Bolsonaro em eventos de campanha, os presidentes do Congresso, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux, saíram ontem em defesa da democracia e mandaram recados ao chefe do Planalto. Mais explícito, o senador admitiu que preferiu não participar das celebrações no dia anterior pelo receio de seu significado ser desvirtuado. O ministro — no simbolismo da última sessão em que conduziu a Corte como presidente — lembrou que o STF nunca foi tão atacado quanto nos últimos dois anos. Ontem, numa espécie de “troco”, Bolsonaro não compareceu à comemoração dos 200 anos da Independência no Congresso.

Após o evento no Parlamento, Pacheco afirmou que não se pode aproveitar comemoração cívica para fazer política partidária e lembrou que, além do desfile militar  “que celebrou a data ”, houve depois “os desdobramentos políticos”. Bolsonaro foi acusado por adversários de usar a estrutura do Palácio do Planalto para reunir multidões e transformar as celebrações do bicentenário em um grande comício.

— Minha preferência foi não participar porque não sabia se eles iriam se misturar — disse o parlamentar, que lamentou a ausência do presidente ontem no Congresso.

Pacheco também rebateu trechos do discurso de Bolsonaro no dia anterior em que o presidente ironizou o papel do Legislativo e Judiciário. A apoiadores, Bolsonaro disse que agora eles conheciam “o presidente do Congresso, o STF”, fala que virou uma deixa para ataques à Corte.

— As pessoas conhecem o Congresso, conhecem o Senado, a Câmara, o STF. Sabem inclusive que foi o Congresso que aprovou o auxílio de R$ 400 para R$ 600 — enfatizou o senador, sobre o aumento do benefício utilizado pelo presidente como propaganda eleitoral.

Sob ataque

Fux, que esteve à frente do Supremo ao longo da pandemia de Covid-19, quando a Corte deliberou algumas vezes contra os interesses do governo, lembrou que não houve um dia sequer em que a legitimidade das decisões do Supremo não tenha sido questionada.

— Seja por palavras hostis, seja por atos antidemocráticos — pontuou. — Não bastasse a pandemia, nos últimos dois anos, a Corte e seus membros sofreram ataques em tons e atitudes extremamente enérgicos.

Uma das mais graves investidas antidemocráticas com que Fux e outros ministros tiveram que lidar foi uma tentativa de invasão ao STF durante os atos de 7 de Setembro do ano passado, ocasião em que o próprio Bolsonaro xingou magistrados do Supremo e ameaçou não cumprir decisão de um deles, Alexandre de Moraes.

Em razão dos momentos de tensão entre Poderes, mais de uma vez, Fux saiu em defesa da democracia e da estabilidade democrática. Na abertura dos trabalhos do segundo semestre de 2021, ele não citou Bolsonaro, mas disse que determinadas atitudes “corroem sorrateiramente os valores democráticos”.

— Harmonia e independência entre os poderes não implicam impunidade de atos que exorbitem o necessário respeito às instituições — disse, na ocasião, o magistrado, que será substituído pela ministra Rosa Weber a partir de segunda-feira.

O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), aliado de Bolsonaro, também não compareceu aos atos oficiais do 7 de Setembro. Ontem, na solenidade do Congresso, ele minimizou a ausência de Bolsonaro, argumentando que o clima da celebração foi “institucional” e lembrou que o bicentenário da Independência, no mesmo ano das eleições, é uma oportunidade para que os “cidadãos brasileiros, por meio do seu voto consciente” fortaleçam a democracia e o Parlamento:

— De modo que ele (o Parlamento) continue a exercer a importante tarefa de acolher diferentes aspirações e transformá-las em balizas coletivas.

Numa crítica ao discurso de ódio e intolerância, Pacheco também mandou um recado aos eleitores:

— Lembro que daqui a menos de um mês os brasileiros e brasileiras vão às urnas praticar o exercício cívico de votar em seus representantes. E o amplo direito de voto, a arma mais importante em uma democracia, não pode ser exercido com desrespeito, em meio ao discurso de ódio, com violência ou intolerância em face dos desiguais.

“(Nos atos de 7 de Setembro) Houve dois momentos: desfile cívico em que se celebrou a data e os desdobramentos políticos. Minha preferência foi não participar porque não sabia se eles iriam se misturar. Não se pode aproveitar a comemoração cívica para política partidária”

Rodrigo Pacheco, presidente do Congresso