O Globo, n. 32539, 08/09/2022. Política, p. 6

“Imbrochável'', presidente reincide em machismo



Enquanto a equipe de sua campanha à reeleição se esforça para melhorar seu desempenho no eleitorado feminino, o presidente Jair Bolsonaro (PL) reincidiu, ontem, no discurso machista: em Brasília, após conclamar apoiadores a comparar as primeiras damas, fazendo menção a Michelle Bolsonaro e à mulher de Lula, a socióloga Rosângela da Silva, a Janja, ele beijou Michelle e incentivou o público a formar um coro chamando-o de “imbrochável”. A atitude teve má repercussão entre internautas, opositores e a imprensa internacional. O termo “imbrochável” teve um repentino aumento de 120% nas buscas do Google depois do discurso do presidente.

— Podemos fazer várias comparações, até entre as primeiras-damas. Não há o que discutir. (Michelle é) Uma mulher de Deus, da família e ativa na minha vida. Não é ao meu lado, não, às vezes ela está na minha frente. Eu falo aos homens solteiros: procure uma mulher, uma princesa, se case com ela para serem mais felizes ainda — disse Bolsonaro, antes de beijar a mulher e puxar para o coro.

“Climão” entre o casal

Michelle, que por muito tempo resistiu a se engajar na campanha à reeleição, tem sido peça-chave na tentativa de atrair o voto feminino, um dos segmentos onde Bolsonaro encontra maior resistência. O papel que a primeira-dama teria nos eventos de ontem foi motivo de debate entre os dois até os últimos momentos antes do início do desfile militar em Brasília. Quando os dois deixavam o Alvorada a caminho da Esplanada dos Ministério, a transmissão da TV Brasil flagrou uma discussão entre Bolsonaro, de pé à porta de um carro da comitiva presidencial, e Michelle, que estava sentada no veículo. As imagens mostravam o presidente gesticulando durante a conversa. Segundo informou a colunista Bela Megale, o presidente tentava convencê la a acompanhá-lo a bordo do Rolls-Royce presidencial na parada cívico-militar. A primeira-dama resistia, argumentando, de acordo com pessoas do círculo mais próximo do presidente, que aquele momento deveria ser só dele. Michelle acabou concordando e esteve ao lado de Bolsonaro no Rolls-Royce.

A participação mais ou menos intensa de Michelle na campanha vem sendo motivos de atritos nos últimos meses. Depois de resistir, ela tem tido uma atuação mais enfática, inclusive aparecendo nos programas do horário eleitoral gratuito.

Em 2021, em resposta a uma onda de protestos da oposição, Bolsonaro já havia se declarado “imbrochável”. Ontem, internautas foram às redes sociais repudiar este trecho do discurso em Brasília. As palavras “broxonauro”, “Viagra” e o nome da filósofa francesa Simone de Beauvoir estiveram entre as mais usadas no Twitter. Publicações relembraram o escândalo da aprovação da compra de 35 mil unidades de Viagra pelas Forças Armadas, em abril deste ano, quando Bolsonaro minimizou o episódio, alegando que o remédio, geralmente indicado para disfunção erétil, serviria para “combater a hipertensão arterial e também as doenças reumatológicas”.

Candidatas criticam

Presidenciáveis também condenaram a fala. A senadora Simone Tebet (MDB) postou que “o presidente mostra todo seu desprezo pelas mulheres e sua masculinidade tóxica e infantil” e que, “como brasileira e mulher”, sentia-se “envergonhada e desrespeitada”. Já a senadora Soraya Thronicke (União Brasil) afirmou que Bolsonaro “insiste em propagar que é imbrochável — informação que, sinceramente, não interessa ao povo brasileiro”. Janja, que tem sido aconselhada pela equipe de Lula a ignorar as provocações de Bolsonaro, não reagiu.

A declaração também foi citada na imprensa internacional, que criticou Bolsonaro por transformar as comemorações do Bicentenário da Independência em ato de campanha. “Bolsonaro usa discurso oficial do bicentenário (da Independência) para pedir votos e defender a sua virilidade”, escreveu o jornal português Público. O argentino La Nación tachou a fala do presidente de “machista”.