Título: Além do Fato : A TAP, a abertura dos céus e a Varig
Autor: Marcelo Bastos
Fonte: Jornal do Brasil, 27/11/2005, Economia & Negócios, p. A20

Os Estados Unidos e a União Européia acordaram no último dia 18 o chamado Open-Skies Agreement (acordo para abertura dos céus), que estabelece novas regras para vôos comerciais entre os países signatários. Com a entrada em vigor do acordo em outubro de 2006, as companhias aéreas da Europa passam a brigar entre si, diretamente, nas rotas que ligam os dois maiores mercados de aviação comercial do mundo. Pelas novas regras, as companhias aéreas européias poderão voar direto para os Estados Unidos de qualquer lugar da Europa. Assim, por exemplo, a Air France poderá voar de Lisboa para Chicago, sem passar por Paris e a Lufthansa poderá oferecer vôos sem escala de Madri para Miami. Essa liberalização deverá transformar a aviação comercial da Europa, provocando outras fusões do tipo Air France-KLM e Lufthansa-Swiss, principalmente por conta do impacto provável na capacidade de competir das companhias full-service de menor escala de serviço.

Neste cenário, como ficaria a TAP? Há cinco anos a SwissAir desistia de investir cerca de 150 milhões de euros para adquirir 34% da TAP, o que deixou em situação delicada a já financeiramente combalida companhia portuguesa. O governo português não poderia ajudar, por conta de restrições impostas pela União Européia, e anunciou que privatizaria a companhia. Já sob o comando de Fernando Pinto, a TAP e o governo de Portugal apresentaram em 2001 à Comissão Européia um plano de reestruturação, prevendo empréstimos bancários internacionais e a renegociação de pagamentos de aeronaves como forma de cobrir as necessidades de capital para os exercícios seguintes, até que voltasse a operar com lucro e pudesse ser privatizada.

Após avançar com sucesso no processo de reestruturação, o movimento da TAP em direção à Varig parece ser a saída que faz sentido para a companhia no atual cenário europeu. Por melhor que esteja funcionando a parceria de code-share entre Varig e TAP, não tem a magnitude de uma associação como a que vem sendo anunciada pela TAP à imprensa no Brasil e Portugal, que a transformaria num novo ¿gigante da aviação¿, requisito de sobrevivência no novo ambiente Open-Skies.

O mercado de vôos de Portugal para o Brasil representa hoje quase um terço das receitas totais da companhia portuguesa, que vem operando freqüências para Rio, São Paulo, Salvador, Recife, Natal e Fortaleza com cerca de 85% de ocupação média e oferta crescente de assentos.

Mas a costura dessa possível associação com a Varig será um duro teste diplomático para a atual administração da TAP.

Além de estar em reestruturação para privatização, a TAP é uma companhia consideravelmente menor que a Varig: faturou em 2004 cerca de US$ 1,5 bilhão, contra mais de US$ 2,5 bilhões da Varig e opera uma frota de cerca de 40 aeronaves, contra quase 80 da Varig. Além disso, os números de lucro e geração de caixa da TAP não indicam capacidade financeira independente para enfrentar as necessidades da Varig, que precisa de um sócio com alguma capacidade de investimento para equilibrar suas finanças de curto prazo e alguns ajustes operacionais mais urgentes. Como a contribuição da TAP na operação de compra das subsidiárias da Varig correspondeu a quase 40% de seu lucro do ano passado, é de se crer que ela não poderá entrar com muito mais do que isso na operação maior.

Sem poder contar com ajuda governamental em casa, a TAP trouxe como reforço o grupo chinês ShunTak, controlador da Sociedade de Turismo e Diversões de Macau, com concessões do estado português para operar dois cassinos já em funcionamento, abrindo um terceiro em 2006 após 60 milhões de euros de investimento. Além disso, tem participações em companhias de controle estatal e de infra-estrutura, sendo hoje o maior investidor chinês em Portugal. O grupo pertence ao bilionário chinês Stanley-Ho (Ho Hung-Sun) cujas relações com o governo de Lisboa são, por tudo isso, excelentes.

A fortuna de Ho vem de 40 anos de monopólio na exploração de jogo em Macau, na China, onde ainda hoje é o principal empresário do setor. A indústria do jogo em Macau cresce e poderá faturar mais do que a indústria do jogo em Las Vegas já no ano de 2005. Stanley-Ho entrou com a maior parte do capital na Aero Luso-Brasileira, que adquiriu a VEM e a Varig Log, sendo até o momento o único investidor alinhado com a TAP para uma eventual aquisição de interesses na Varig S/A. O grupo de Ho deverá ser, novamente, a peça de resistência da operação, com papel mais fundamental do que vem querendo fazer supor o presidente da TAP.

O mais difícil para a TAP, porém, poderá ser convencer os credores, os funcionários da Varig e as autoridades aeronáuticas brasileiras que: (i) a planejada associação com a Varig está de acordo com os limites impostos pelo Código Brasileiro de Aeronáutica; (ii) um grupo que explora atividade que é ilegal no Brasil é o melhor parceiro para uma participação tão ativa na maior e mais antiga companhia aérea do Brasil e (iii) o destino dessa parceria é seguro, mesmo diante da possível privatização da TAP e da eventual saída do atual presidente Fernando Pinto, com a entrada de novos donos.

É esperar para ver. E torcer pela Varig.