Valor Econômico, v. 20, n. 4968, 26/03/2020. Brasil, p. A2

IPCA-15 desacelera a 0,02% e pode indicar deflação para próximos meses

Anaïs Fernandes
Bruno Villas Bôas



Apesar de uma prévia bem baixa, próxima de zero, a inflação “cheia” de março deve subir um pouco, pressionada sobretudo por itens de alimentação e higiene, uma situação conjuntural que não muda a previsão de alguns economistas de que abril e maio podem ser meses de deflação.

O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo-15 (IPCA-15), divulgado ontem pelo IBGE, desacelerou para 0,02% em março, ante 0,22% na prévia de fevereiro. Foi o menor resultado para o mês desde o início do Plano Real, de 1994, e o número também ficou abaixo da mediana de 0,06% das estimativas colhidas pelo Valor Data.

Para Carlos Thadeu de Freitas Filho, economista-chefe da Ativa Investimentos, o resultado de março já dá pistas do comportamento da inflação nos próximos meses, quando os efeitos do novo coronavírus devem se fazer mais presente. “No curtíssimo prazo, é o setor de alimentação um pouco mais pressionado pela ampla situação de compras, enquanto serviços têm preços colapsando", diz. Segundo Freitas, estimativas relacionadas ao cartão de crédito nas duas últimas semanas apontam para um crescimento de 30% nas receitas dos segmentos de farmácias e supermercados.

Responsável por um quinto das despesas das famílias, os itens de alimentação e bebidas ficaram 0,35% mais caros na prévia de março, ante queda de 0,32% no mês anterior. “A alimentação mostrou aceleração, em linha com a coleta de preços ao produtor no atacado. Entendo que isso vai aparecer bem mais pressionado no encerramento do mês”, diz Fábio Romão, economista da LCA Consultores.

Ele projeta avanço de 0,20% a 0,25% no IPCA cheio de março. “O que vamos ter agora é uma corrida a supermercados e farmácias, o que enseja reajustes”, diz o economista, acrescentando que itens de higiene pessoal e artigos de limpeza doméstica também devem sentir pressão. A projeção para março só não é maior, segundo Romão, porque é contida pela intensa queda nos preços dos combustíveis, que já recuaram 1,19% no IPCA-15.

Julia Passabom, economista do Itaú Unibanco, destaca as quedas de quase 17% em passagens aéreas e de 2,6% nos preços de pacotes turísticos. Não é simples, no entanto, cravar que o movimento tenha relação com o coronavírus, ela diz. “A gente sabe, por exemplo, que turismo é afetado muito rápida e intensamente. E, por metodologia, a variação que observamos nesses dois itens se repete no IPCA fechado, então isso já deixa o índice um pouco mais baixo no mês”, afirma.

A economista chama a atenção também para notícias como de que o governo estuda suspender reajustes tarifários de energia e postergar os de medicamentos, que costumam pesar na inflação de abril. “Começam a pipocar notícias item a item do IPCA com viés baixista de curto prazo”, diz. Para março, o Itaú projeta uma inflação de 0,07%. A intensa e contínua queda nos combustíveis, porém, “deve ter força deflacionária relevante para as leituras de abril e maio, jogando para perto de zero e negativo”.

Nas contas da Ativa, que ainda não incluem a prévia divulgada ontem, o IPCA de março avançaria 0,03%, seguido por deflações de 0,04% em abril, 0,19% em maio e 0,17% em junho. “A tendência é revisar para baixo”, diz Freitas. Assim, a projeção da casa para o IPCA de 2020, que está em 1,74%, “provavelmente chega em 1,5%”, afirma. Em relatório, o JPMorgan também projeta alta, de 0,10%, para o IPCA de março, mas quedas de 0,06% e 0,01% em abril e maio, respectivamente,

Romão, da LCA, vê chances de deflação mais à frente, em agosto. Suas projeções, por ora, estimavam um IPCA de 0,38% em abril, 0,33% em maio, 0,21% em junho, 0,19% em julho e 0,10% em agosto. “Passada a pressão do segundo trimestre, pode ter uma devolução no começo do terceiro”, afirma. Com isso, a LCA manteve sua previsão de 3% para o IPCA de 2020, apesar de o viés ser de baixa.

O Barclays também estima um IPCA de 3% neste ano, mas diz que há chance de queda dependendo da extensão do choque da covid-19. Em relatório, o economista-chefe para o Brasil, Roberto Secemski, destacou que os núcleos (medidas que tentam suavizar os efeitos de itens mais voláteis) permanecem comportados e não indicam pressão de demanda.

“Esperamos que isso persista à luz do choque da covid-19 para o crescimento.”