Valor Econômico, v. 20, n. 4968, 26/03/2020. Política, p. A13

Tensão aumenta entre Bolsonaro e governadores, que procuram Maia

Andrea Jubé


Depois de insistir em radicalizar com os governadores no debate sobre o enfrentamento ao coronavírus, o presidente Jair Bolsonaro se viu confrontado ontem pelo governador de São Paulo, João Doria (PSDB) e assistiu ao governador de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM), seu fiel aliado, romper com o governo federal. Em meio à escalada da tensão com Bolsonaro, 26 governadores se reuniram à tarde por videoconferência com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que foi convidado por eles e tem se projetado como contraponto ao presidente da República na condução da crise epidemiológica.

Na reunião com os governadores, Rodrigo Maia mais uma vez contestou o chefe do Executivo ao atribuir a pressão pelo fim do isolamento social aos investidores. Na véspera, Bolsonaro havia condenado as medidas restritivas e cobrado o retorno “à normalidade”. Maia disse aos chefes de Executivo estaduais que é preciso sair do “enfrentamento sobre abrir ou não abrir [as lojas], sair ou não do isolamento”.

Segundo Maia, isso nada mais é que “a pressão de milhares de pessoas que aplicaram seus recursos e acreditaram no sonho da prosperidade da bolsa de 150 mil pontos, mas ela está com 70 mil pontos, com vários problemas”. Ele ressaltou que as lideranças desse país não podem “deixar de cuidar das pessoas porque se está perdendo dinheiro na bolsa”.

O presidente da Câmara observou que essa pressão cresceu nos últimos quatro ou cinco dias, mas ponderou que economistas e investidores “vivem de estatística”, enquanto os políticos preocupam-se com a vida das pessoas. Maia cobrou uma saída que viabilize “equilibrar vidas com empregos”.

Ainda em sua fala aos governadores, Maia disse que no curto prazo, o que o Congresso pode fazer rapidamente para socorrê-los é votar o quanto antes o plano Mansueto. Ele disse que hoje enviará uma minuta ao secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida, e que o relator da matéria, deputado Pedro Paulo (DEM-RJ), vai contatá-los para tratar dos detalhes. A proposta flexibilizará exigências para que Estados e municípios comprometidos com o ajuste fiscal possam contrair novos empréstimos.

Doria relatou que o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), também havia sido convidado. Mas, em tratamento contra a covid-19, ele estava “tossindo muito” ao telefone.

Apesar dos acenos iniciais de conciliação, a relação de Bolsonaro com os gestores estaduais deteriorou-se ainda mais depois do pronunciamento na última terça-feira em rádio e TV, levando ao clima de constrangimento na última da série de videoconferências, desta vez com os gestores do Sudeste.

Com isso, a reunião da manhã de ontem com os governadores do Sudeste foi marcada pelo entrevero entre Bolsonaro e João Doria, que cobrou do presidente uma postura de liderança nacional. Bolsonaro retrucou desviado para a arena eleitoral e acusou o tucano de ter se apoderado de sua imagem na campanha de 2018, e depois mudar de

Enquanto Bolsonaro e Doria se enfrentavam, a 200 quilômetros do Palácio do Planalto, em Goiânia, o governador Ronaldo Caiado rompia com o aliado. Foi nessa conjuntura que minutos depois, a imprensa foi avisada que a entrevista coletiva de que Bolsonaro participaria ao lado dos ministros havia sido cancelada. Ao fim, coube ao ministro-chefe da Casa Civil, Walter Braga Netto, uma rápida palavra com os jornalistas.

No meio da tarde, ao abrir a videoconferência com 26 gestores estaduais e Rodrigo Maia, Doria ressaltou que o Fórum de Governadores não será uma “trincheira política contra Bolsonaro contra o governo federal. Mas voltou à carga contra Bolsonaro.

Doria sublinhou que o presidente da República foi indelicado com os governadores do Sul e Centro-Oeste, com quem dialogou na terça-feira, ao omitir que faria uma manifestação à noite em rede nacional. “Foi desrespeito propor reunião de conciliação e ter tido um gesto de manifestação extemporânea, equivocada, maldosa em relação aos brasileiros”, criticou.

A maioria dos governadores concordou ontem que a decisão sobre o fim das medidas restritivas ao comércio, escolas e de locomoção devem seguir orientações científicas e técnicas, conforme a evolução da epidemia em cada Estado.

O governador do Mato Grosso, Mauro Mendes (DEM), fez a manifestação mais alinhada a Bolsonaro, ponderando que não poderia imprimir ao seu Estado o mesmo tratamento que Doria deu a São Paulo, que abriga a maior concentração populacional. “Não posso tomar a mesma providência que São Paulo tomou, porque tenho 13 vezes menos população numa área três vezes maior que São Paulo”, criticou.

Mendes observou que não faria sentido prefeitos de municípios de apenas 5 mil habitantes decretando quarentena onde não havia sequer um caso confirmado. Relatou que no Mato Grosso, até agora, foram identificados apenas sete casos, e que é preciso compreender a situação das micro e pequenas empresas, que detêm mais de 60% dos empregos no Estado.