Valor Econômico, v. 20, n. 4968, 26/03/2020. Política, p. A15

Desautorizado, Mandetta decide ficar

Renan Truffi
Fabio Murakawa
Cristiano Zaia
Marcelo Ribeiro


Mesmo após ser desautorizado publicamente pelo presidente Jair Bolsonaro, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta (DEM-MS), está decidido a permanecer no cargo e enfrentar a crise provocada pela pandemia de coronavírus no brasil. A decisão passa pelo entendimento de que o ministro tem condições de sair maior, politicamente, desse episódio.

Entre os aspectos que pesaram para essa definição estão apoios construídos nos últimos meses. Além de ter os funcionários da pasta ao seu lado, ele ainda dispõe de relevante proximidade com empresários - com quem tem conversado frequentemente para angariar auxílio e doações - governadores, líderes do Congresso e de seu partido, o DEM. A legenda “está apoiando o ministro em 100%”, disse uma fonte, em função do “equilíbrio” e da “segurança” que ele tem transmitido à população e aos agentes políticos.

Com essas credenciais, o ministro continuará mantendo um discurso de alinhamento à ciência até onde for possível, mas sem entrar em rota de colisão com o presidente. De acordo com um aliado, o ministro “tem uma inteligência emocional acima da média” e está convicto no enfrentamento à disseminação da doença.

A decisão de permanecer no cargo foi transmitida por Mandetta aos seus auxiliares já na manhã de ontem, quando começaram as primeiras especulações de que ele poderia ser substituído pelo diretor-presidente da Anvisa, Antonio Barra Torres, que se aproximou de Bolsonaro ainda no início da crise.

Mandetta avisou a assessores e técnicos que não pediu para deixar o cargo e nem tinha intenção de colocar seu posto à disposição. Segundo outro interlocutor, Mandetta não tem o perfil de “pedir para sair”. Por conta disso, a ordem na pasta é “seguir a vida”.

Ao passar esse recado, Mandetta também deu a entender que vai manter o discurso que já vinha adotando nas declarações públicas. Ainda que essa seja intenção, a primeira coletiva do ministro, no fim da tarde de ontem, já indicou uma possível flexibilização nas mensagens.

O ministro defendeu que, antes de “fechar tudo”, comércio, escolas e serviços, o país precisa observar o avanço da transmissão do vírus. Segundo ele, a medida de “lockdown” pode ser antecedida de ações relacionadas à redução de mobilidade, impedir a interação social apenas em alguns bairros, por exemplo.

“Nós saímos praticamente do início dos números para um efeito em cascata de decretação de ‘lockdown’ em todo território nacional, em paralelo”, disse o ministro da Saúde, referindo-se a decisão dos governos estaduais de impor uma quarentena com “isolamento horizontal” da população, como se “tivéssemos todos em franca epidemia”. “Isso causa uma série de transtornos”, complementou Mandetta.

Como forma de se antecipar a questionamentos da imprensa, o ministro também tratou de minimizar o possível desentendimento com o presidente Bolsonaro. “Não vamos mudar nenhum milímetro de nosso foco de proteção à vida”, emendou.

O próximo desafio de Mandetta, no entanto, vai ser lidar com a proposta de “isolamento vertical”, ou seja, impor quarentena apenas para os grupos de risco, como tem sugerido Bolsonaro.

A medida não é consenso na comunidade médica e vai na contramão do que vinha sendo defendido pelo Ministério da Saúde. Assim, a ideia tem combustível suficiente para criar um impasse irreversível nas relações entre Bolsonaro e Mandetta, avalia um assessor presidencial.

“Pode haver um embate em relação a essa ideia do presidente de fazer restrição vertical. Se ele não aceitar, ou o presidente demite ou ele [ministro] pede para sair”, acrescenta.

O Valor apurou que Mandetta tende a não aprovar esse entendimento. O isolamento vertical dependeria de um decreto presidencial de acordo com as conversas preliminares conduzidas por técnicos do governo.

Sobre isso, um interlocutor de Mandetta afirmou: “O presidente não determinou nada. Quem faz e acontece são os governadores, não o presidente”.

Por essa interpretação, Bolsonaro apenas “atribuiu responsabilidade aos prefeitos e governadores” sobre o que pode acontecer com a economia. A retórica é uma forma de retirar de seu colo a culpa pelo caos social iminente.