Título: Democracia é liberdade
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 28/11/2005, País, p. A2

Os partidos políticos modernos nasceram dentro dos parlamentos e, só então, se organizaram nas ruas. Em princípio eram apenas duas as idéias que os moviam. Eram conservadores ou liberais; os primeiros colocavam a chamada ordem social em primeiro lugar. Os liberais se preocupavam mais com o povo e com a justiça social, tal como era vista no século 17, na Inglaterra, e no século 18, na França, onde surgiram as expressões esquerda e direita. Os parlamentares ingleses eram eleitos pelos distritos e se inscreviam a título pessoal. No parlamento, então, formavam-se os grupos partidários. O bipartidarismo clássico se rompeu, na Inglaterra, com o surgimento do Labour Party, nas eleições de 1906.

De certa forma, a criação dos partidos, com seus programas, significava restrição à liberdade dos cidadãos. Eles se viam obrigados a eleger representantes vinculados a certos projetos de governo, que poderiam corresponder ou não à vontade do eleitor. Essa era uma contingência do aumento demográfico dos estados nacionais. Não era possível a democracia direta da Grécia clássica, nem a dos comícios eleitorais romanos. Como partidos organizados, os conservadores ingleses surgiram, em 1679, do termo depreciativo de tories ¿ beatos, em galês ¿ e os liberais da interjeição escocesa whig, usada para chamar os animais nos pastos, que passou a significar ladrão de cavalos. Do ponto de vista social, os conservadores sempre representaramos grandes senhores rurais, a aristocracia clássica e parte da hierarquia religiosa, e os liberais a pequena classe média urbana, os industriais, os intelectuais e os filantropos. Em 1906, exasperada pelas terríveis condições de vida, a classe operária, sob a orientação dos sindicatos e o financiamento da Sociedade Fabiana de filantropia política, criou o Partido Trabalhista. A partir daí, tendo em vista que o Labour decidia as votações, os liberais aceitaram reformas sociais e Inglaterra entrou no século 20.

No Brasil, o Partido Republicano imperou, quase solitário, até 1930. O PR era uma confederação dos partidos republicanos estaduais (o PRP, emSão Paulo, o PRM, em Minas, e assim por diante), que dispunham de razoável autonomia em seus estados. Na redemocratização de 1945, surgiram os dois grandes partidos nacionais, o PSDeaUDN, tendo como referência Getúlio Vargas, que criou o seu próprio partido, o velho PTB (nada a ver com a sigla atual). O PR, reduzido, continuou, oscilando entre o PSD e a UDN. O PTB invariavelmente coligava com o PSD, representante das classes médias urbanas, mas com sólido apoio nas oligarquias rurais. O governo militar acabou com todos eles, com o bipartidarismo forçado.

Em alguns países, como a Espanha, há absoluta liberdade de formação de partidos. Há mesmo partidos municipais, constituídos para eleger os ¿concejos¿, ou seja, as câmaras de vereadores, que exercem, ao mesmo tempo, o poder legislativo e o executivo, mediante os alcaides; e em todas as regiões autônomas, os partidos conservadores e de esquerda dispõem de ampla autonomia para a formação de alianças nas eleições locais. A Espanha tem o tamanho de Minas.

A verticalização das coligações, que poderá cair ou ser confirmada amanhã, na votação da Câmara, é mais um dos famosos ¿casuísmos¿ que têm perturbado a reconstrução democrática em nosso país. Os partidos que pretendem manter esse absurdo não estão interessados na democracia, nem na liberdade dos cidadãos. Todos estão pensando em seus próprios interesses. Alguns, querem vender seu tempo de rádio e televisão, outros pretendem negociar cargos com o PT e o PSDB que disputarão a Presidência com mais chances eleitorais. O Parlamento tem agido como se o Brasil fosse uma ilha homogênea, com um governo unitário, e não uma federação de estados cada um deles com sua própria identidade geopolítica e social.

Espera-se que o bom senso venha a prevalecer na votação de amanhã. Porque, do contrário, a indiferença dos cidadãos pela política só tenderá a crescer, abrindo espaço para os aventureiros e defensores do partido único. A idéia de democracia se alicerça no exercício da liberdade.