Valor Econômico, v. 20, n. 4968, 26/03/2020.Legislação & Tributos, p. E2

Dedução de juros sobre capital próprio retroativos

Maria Paula Carvalho Molinar


Os juros sobre capital próprio (JCP) não são novidade. Foram instituídos no sistema normativo pela Lei nº 9.249, de 1995, como sendo juros pagos ou creditados individualmente ao titular, sócios ou acionistas da empresa a título de remuneração do capital próprio, os quais poderão ser dedutíveis para efeitos da apuração pelo lucro real.

A novidade é a interpretação que vem sendo dada na esfera judicial por alguns tribunais em relação à possibilidade de deduzir valores de juros sobre capital próprio referentes a exercícios passados. O argumento principal é que o artigo 9º, parágrafo 1º, da lei permite que a pessoa jurídica se valha dos lucros acumulados de períodos pretéritos para efetuar distribuição de juros sobre capital próprio e que a única limitação temporal trazida para sua distribuição no próprio ano-calendário foi regulamentada pela Instrução Normativa (IN) nº 1.515, de 2014.

Sob uma perspectiva de hierarquia de normas, não haveria como sustentar a vedação trazida pela IN, uma vez que a lei nada proíbe em relação à matéria. Por esta razão, o entendimento é que o dispositivo da IN deve ser desconsiderado em detrimento da lei.

As decisões favoráveis proferidas pelos tribunais regionais federais (TRFs) vêm amparadas no único precedente favorável do STJ (REsp nº 1086752/PR), que classificou tais juros como dividendos. Tal premissa levou o relator a sustentar que a dedução poderá ser realizada quando efetivamente ocorrer o pagamento (regime de caixa), ou seja, em ano-calendário futuro. Ocorre que as decisões favoráveis aos contribuintes proferidas pelos TRFs são diametralmente opostas à maioria dos acórdãos proferidos pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), demonstrando um descompasso jurisprudencial.

Os conselheiros do Carf partem de uma premissa diferente: juros sobre capital próprio possuem natureza de juros e, por serem integrantes do resultado do exercício da sociedade, são considerados despesas, devendo ser deduzidos para formação do lucro líquido do período. Ao conceituá-los desta maneira, passam à análise do sistema normativo como um todo, diferentemente dos acórdãos judiciais.

O argumento dos julgadores no âmbito administrativo é que o fato de a legislação societária não trazer tratamento específico para as despesas de juros sobre capital próprio, faz com que eles se subsumam às regras gerais de despesas, razão pela qual devem compor o resultado do exercício e não influenciarão anos subsequentes (as contas de resultado devem se iniciar e se encerrar dentro de um mesmo exercício). E, se assim o é, estamos diante da apuração pelo regime de competência.

Este regime prevê um elemento chave: as despesas são reconhecidas no momento em que incorridas, independente do efetivo recebimento ou pagamento. Se a despesa for incorrida em exercício diferente ao do capital vinculado a ela, essa despesa não estará mais vinculada ao capital do exercício anterior, mas sim ao capital do exercício em curso; havendo flagrante desrespeito à regra do confronto e regime de competência.

A conclusão deste raciocínio evidencia que não há necessidade de disposição expressa que determine especificadamente que as despesas de juros sobre capital próprio devem atender ao regime de competência, pois nos termos da legislação societária, tal regime é dever legal e qualquer exceção à regra geral deve ser expressa em lei.

A legislação apenas concedeu autorização para deduzir do lucro despesas incorridas e pagas, caso contrário, estar-se-ia pagando outra coisa indedutível - qualquer que seja sua natureza - que não juros sobre capital próprio. Por estas razões, o entendimento que prevalece no Carf é de que não seria possível a dedução de juros sobre capital próprio de exercícios passados em anos futuros.

Este também é o racional por trás das doutrinas de Higuchi e Ricardo Mariz, que entendem que a contabilização no período-base correspondente é condição para a dedutibilidade dos juros sobre capital próprio por se tratar de opção do contribuinte. Sem o exercício da opção de contabilizar os juros, não há despesa incorrida e uma vez deliberado por meio de assembleia ou reunião de sócios que se destinaria parte dos lucros para reserva, a distribuição nos anos posteriores não poderia ser a título de juros sobre capital próprio.

A despeito do posicionamento favorável por alguns TRFs e pelo STJ, que os valores pagos a título de juros sobre capital próprio devem obedecer ao regime de caixa e, portanto, possibilitam sua dedução em relação a períodos pretéritos, entendemos que não é possível afirmar que uma única decisão proferida há mais de dez anos assegura um desfecho favorável aos contribuintes que buscarem seu direito no Judiciário.

Apesar de existirem argumentos para sustentar a tese, acreditamos que uma análise minuciosa dos casos poderia levar a uma reversão do entendimento proferido em âmbito judicial, não havendo, portanto, que se falar em total garantia do direito com apenas uma decisão do STJ, que sequer foi julgada sob a sistemática dos recursos repetitivos.

Maria Paula Carvalho Molinar é advogada de Candido Martins Advogados

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