Valor Econômico, v. 20, n. 4968, 26/03/2020. Finanças, p.C5

Anfidc pede atuação mais clara e efetiva da CVM na crise

Ana Paula Ragazzi


A Anfidc (associação nacional dos participantes em fundos de investimentos em direitos creditórios) cobra da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) uma orientação mais clara ao setor em meio à crise do coronavírus.

O presidente da associação, Luis Eduardo da Costa Carvalho, afirmou que reuniu-se com a autarquia esta semana e levou as preocupações e e sugestões de medidas que espera serem adotadas nos próximos dias.

“O que estamos considerando não está distante do que o Banco Central adotou para o mercado financeiro e fizemos questão de frisar isso para a CVM. A autarquia poderia fazer algo similar ao que BC fez para o mercado de capitais. O ponto que mais preocupa hoje é a inadimplência”, afirmou.

Carvalho destaca que o BC, na resolução 4.782, determinou que os atrasos de pagamento ou as repactuações de vencimentos que ocorram no mercado financeiro não serão nos próximos seis meses como provisões para devedores duvidosos, desde que os atrasos venham de clientes saudáveis, que não apresentavam problemas, mas foram acometidos pela crise da pandemia.

“O comércio parou. Sem vendas, vai faltar caixa, mas a duplicata vai vencer daqui a cinco dias. Esse comerciante não vai ter dinheiro para pagar e vai ter de pedir uma prorrogação de prazo. E essa prorrogação não caracteriza que ele está inadimplente, mas com um problema de fluxo de caixa decorrente da crise atual, da quarentena”, diz Carvalho.

Percebendo isso, afirmou o presidente da associação, o BC já agiu e, agora, ele avalia, falta a CVM também fazer uma manifestação nesse sentido porque na carteira dos FIDCs existem os recebíveis dessa cadeia produtiva. “Obviamente já estão acontecendo pedidos de prorrogação de vencimento e como isso será tratado é o quadro mais preocupante no curto prazo”, diz Carvalho.

Ele reconhece que a CVM lida com uma multiplicidade de assuntos e de problemas, que tornam complexa sua atuação, mas lembra que a situação inédita pegou a todos no contrapé. “Acho que é melhor, nesse momento, tomar atitudes que eventualmente tenham que ser revistas ou aprimoradas do que deixar todo mundo inseguro sem orientação e diretrizes. Melhor errar por fazer do que por ficar omisso”, afirmou o presidente da Anfidc.

Outros agentes de mercado têm avaliado a demora de resposta da autarquia citando a indefinição sobre as assembleias ordinárias das companhias abertas e os fundos de crédito privado, cujos problemas estão sendo de alguma forma endereçados pelo BC, que não regula esse produto.

Carvalho, da Anfidc, ressalta que o BC tem atuado com medidas arrojadas, corajosas, mostrando claramente a preocupação de manter o sistema financeiro saudável, funcionando, cumprindo o papel que todos esperam nesse momento de crise.

“Nossa expectativa é que a CVM siga o BC. Se a autarquia entender que cabe seguir esse modelo, isso tranquiliza o mercado e a vida seguirá com a esperança que a interrupção não seja tão longa”, diz.

A médio e longo prazos, Carvalho avalia que os impactos no setor dependerão do tempo de duração da quarentena, ou de quando é que as atividades começarão a ser retomadas e de quando a economia retomará o ritmo anterior. “Se durar seis meses, as consequências vão ser muito duras. A expectativa é que as próximas semanas ainda sejam de muitas restrições, mas que haja retomada progressiva de atividades a partir de maio. Se isso acontecer, vamos ter problemas e algum estrago, sem dúvidas. Mas é um tempo que com alguma ferida e machucado, o paciente sobrevive. Passou daí, o grau de mortalidade aumenta consideravelmente”, afirma Carvalho.