Valor Econômico, v. 20, n. 4969, 27/03/2020. Brasil, p. A2

Frustração com ritmo da economia no 1º trimestre antecede pandemia

Arícia Martins
Mariana Ribeiro 


Diante do forte baque que a crise do coronavírus deve causar na economia brasileira, a alta de 0,24% em janeiro do Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br) em relação a dezembro, feitos os ajustes sazonais, não foi vista como alento.

Além de o dado divulgado ontem pela autoridade monetária ser muito defasado, indicadores já conhecidos de fevereiro não apontam reação mais firme, e o início de medidas de confinamento em março derrubou a atividade dos principais setores. Assim, é difícil que o Produto Interno Bruto (PIB) escape de uma retração já no primeiro semestre.

O resultado do primeiro mês do ano veio abaixo da mediana das estimativas colhidas pelo Valor Data, de avanço de 0,39%, e reforçou a percepção de que a economia já vinha em ritmo frágil mesmo antes do choque da covid-19. O IBC-Br tem metodologia de cálculo diferente das Contas Nacionais, sendo uma “aproximação imperfeita” do PIB trimestral do IBGE, na definição do economista Alberto Ramos, diretor de pesquisa para a América Latina do Goldman Sachs.

No acumulado em 12 meses, o nível de atividade medido pelo BC subiu 0,86%. Mais usada para capturar tendências, a média móvel trimestral avançou apenas 0,05% nos três meses terminados em janeiro, na comparação com o trimestre até dezembro.

Apesar de olhar pelo retrovisor, o IBC-Br trouxe importantes indicativos de como a atividade já vinha perdendo ritmo, diz Marcela Rocha, economista-chefe da Claritas Investimentos. Se o indicador ficasse estável nos próximos dois meses, o nível de atividade mensurado pelo BC encerraria o primeiro trimestre com queda de 0,1% sobre o quarto trimestre de 2019, estima Marcela.

“O IBC-Br já acendia uma luz amarela, e houve toda a mudança do cenário a partir de março”, afirma a economista, para quem o PIB deve recuar 0,2% na passagem trimestral. Em fevereiro, também antes de a crise ganhar contornos mais graves, dados já conhecidos para o período indicam que a produção industrial caiu 0,4%, enquanto o varejo ampliado, que inclui automóveis e material de construção, encolheu 0,6%, calcula Marcela. E o pior ainda está por vir.

Citando números da Boa Vista Serviços, a economista da Claritas menciona que as vendas varejistas no país diminuíram 25,2% entre 16 e 22 de março em relação à semana imediatamente anterior. Já dados da Cielo referentes à semana de 9 a 15 de março mostram retração de 13,9% na capital paulista na comparação anual, tombo que deve se acentuar até o fim do mês, devido à quarentena de 15 dias no Estado. “Quando pegamos essas informações e vemos tudo parado, é difícil não imaginar uma queda da atividade em março”, aponta Marcela.

Para Solange Srour, economista-chefe da ARX Investimentos, o mês de fevereiro ainda pode ser ligeiramente positivo, mas isso nada importa na conjuntura atual. “O trimestre vai ser negativo”, avalia. Em seus cálculos, o PIB deve recuar 4% de janeiro a março ante igual período de 2019, o que resultaria em redução de cerca de 2% sobre os três meses imediatamente anteriores.

Com base em informações que empresas têm passado ao mercado sobre a interrupção de seus negócios, Solange destaca que segmentos de comércio e serviços têm observado queda superior a 70% em seu nível de atividade no mês atual, com recuo também acentuado na indústria, de 50%.

“Não temos ideia do tamanho do impacto, mas esses últimos 15 dias de março serão muito ruins”, concorda Rodrigo Nishida, economista da LCA Consultores. A consultoria estima que a economia encolheu 0,6% no primeiro trimestre, mas Nishida pondera que há muitas dúvidas acerca desse número, e não só devido ao coronavírus.

O fato de o feriado de Carnaval ter caído em fevereiro este ano, e não em março, como em 2019, é outro fator que pode ter reduzido mais a atividade industrial no período, assim como a greve de funcionários da Petrobras realizada no mês passado, que deve ter afetado a extração e refino de petróleo, disse. “Também há incerteza em relação aos dados de extração e pelotização de minério, que vieram muito ruins em janeiro.”

No cenário da LCA, os efeitos negativos do choque da covid-19 no PIB devem se concentrar no segundo trimestre, quando a economia deve recuar 3,3% ante os primeiros três meses do ano. “E esse é um número ainda comedido, porque não fazemos ideia de quanto tempo as restrições vão durar e como a demanda vai reagir”, alerta Nishida.

Segundo Solange, da ARX, as expectativas do mercado para o desempenho do PIB em 2020 não estão tão negativas porque ainda se espera retomada rápida no segundo semestre, em formato de “V”. Ela avalia, contudo, que a reação por aqui tende a ser mais lenta que no resto do mundo. “Não estávamos crescendo muito antes, recebemos um choque externo violento e não estamos tomando medidas econômicas no ritmo adequado e de forma organizada. Isso vai afetar a atividade.”