Valor Econômico, v. 20, n. 4969, 27/03/2020. Brasil, p. A4

Crise pode retirar R$ 262,3 bi da receita tributária deste ano

Marta Watanabe 


A receita tributária bruta total do país em 2020 pode cair R$ 189,2 bilhões em relação ao ano passado com crescimento zero do Produto Interno Bruto (PIB). A queda pode chegar a R$ 225,7 bilhões caso haja retração de 1,5% na economia. Se estimativas de recuo de 3% no PIB como consequência da covid-19 se

A receita tributária bruta total do país em 2020 pode cair R$ 189,2 bilhões em relação ao ano passado com crescimento zero do Produto Interno Bruto (PIB). A queda pode chegar a R$ 225,7 bilhões caso haja retração de 1,5% na economia. Se estimativas de recuo de 3% no PIB como consequência da covid-19 se concretizarem, a perda de receita pode chegar a R$ 262,3 bilhões.

As projeções são do economista Kleber Castro, especialista em contas públicas e consultor da Frente Nacional de Prefeitos (FNP). A projeção considera a carga tributária bruta (CTB) em sentido amplo, que contempla não só arrecadação de impostos, taxas e contribuições, mas também de Fundo de Garantia do Tempo de Serviços (FGTS), royalties, participações especiais e dívida ativa, entre outros.

No cenário de crescimento zero do PIB para este ano, estimativa atual da equipe econômica do governo federal, a União pode perder R$ 123 bilhões em arrecadação em relação a 2019. Os Estados sofreriam queda de R$ 52 bilhões, e os municípios, de R$ 14,3 bilhões, respectivamente. Castro lembra que o impacto maior na arrecadação direta é na da União.

Mas, quando se olha a receita disponível por nível federativo, percebe-se perda mais equilibrada entre a União e o agregado dos governos regionais.

Ainda considerando crescimento zero do PIB, no critério da receita disponível a perda deste ano em relação a 2019 pode chegar a R$ 102,4 bilhões para a União e a R$ 86,8 bilhões para os governos regionais, sendo queda de R$ 47,7 bilhões para os Estados e de R$ 39,1 bilhões para os municípios. A receita disponível considera, além da arrecadação própria, as transferências de recursos constitucionais e legais entre entes, como o Fundo de Participação dos Estados (FPE) e o Fundo de Participação dos Municípios (FPM). A estimativa, explica Castro, mantém a divisão federativa de receitas de 2019.

O economista destaca que, além do desempenho do PIB, as estimativas consideraram também a queda de carga tributária equivalente a 1,6 ponto percentual do PIB. Essa redução foi identificada, explica ele, de 2008 para 2009, quando a então crise financeira trouxe efeitos para a economia real brasileira. Naquele período, o PIB recuou 3,9% já no último trimestre de 2008 e caiu novamente, em 1,6%, nos primeiros três meses de 2009, sempre em relação aos trimestres anteriores.

Com crescimento nos últimos três trimestres, 2009 fechou com queda de 0,1% do PIB. Em 2008, porém, lembra Castro, o crescimento foi de 5,1%. “O tombo foi grande”, diz ele, e por isso a repercussão na carga tributária em relação ao PIB. As estimativas consideram ainda inflação de 3% ao ano, conforme previsões de mercado compiladas no Boletim Focus, divulgado pelo Banco Central.

Se houver queda de 1,5% do PIB neste ano, a União pode perder em receita disponível, R$ 122,2 bilhões, segundo as estimativas de Castro. Os Estados perderiam R$ 56,9 bilhões, e os municípios, R$ 46,7 bilhões, sempre em relação a 2019. O economista também fez estimativas para queda de PIB de 3% e de 4,4%. Segundo estudo divulgado pelo Centro de Macroeconomia Aplicada da Escola de Economia da Fundação Getulio Vargas, a variação do PIB pode chegar a 4,4% negativos neste ano, com as consequências da covid-19 no país.

Castro pondera que o cálculo considerou efeitos uniformes em toda a arrecadação, mas o impacto será diferenciado conforme o tributo ou tipo de receita. “Alguns impostos são menos cíclicos, como IPTU e IPVA, porque não são cobrados sobre fluxo de renda, e sim sobre estoque de riqueza”, explica, citando, respectivamente tributos cobrados sobre a propriedade de imóveis e de veículos. Os tributos que mais devem ser afetados são os cobrados sobre consumo de bens e serviços, como os federais PIS e Cofins, o ICMS estadual e o ISS municipal, diz ele.

O setor de serviços, aliás, que nas crises anteriores costumava ser o último a ser atingido, desta vez deve sofrer mais rapidamente, já que o combate à covid-19 estabelece o isolamento social e vários serviços dependem do contato entre pessoas, avalia ele. Por isso, a arrecadação de ISS, cobrado sobre serviços, pode sentir mais rapidamente os efeitos desta crise.

Castro destaca ainda os royalties e participações especiais do petróleo. Estas receitas, explica, seguem dinâmica própria, que depende do câmbio e do preço da commodity. A pressão para baixo na cotação do petróleo, diz, pode ser compensada pela alta do câmbio. “Resta saber o que vai variar mais e, assim, determinar se os royalties vão cair ou subir A expectativa até agora é que o preço caia mais que o câmbio, diminuindo a receita de royalties. O impacto deve ser muito heterogêneo entre Estados e municípios, conforme a dependência dessas receitas.”

Os Estados e municípios, diz ele, são os entes que mais impacto fiscal devem sofrer neste ano. Além de não poder emitir dívida, como a União, diz ele, são os governos regionais que respondem diretamente à população na prestação de serviços de saúde que serão altamente pressionados com a pandemia.

Levantamento de leitos feito para a FNP com dados do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (Cnes), segundo Castro, considera os leitos hospitalares públicos do país. Excetuam-se da conta, portanto, os leitos de hospitais privados e de instituições sem fins lucrativos. Desses leitos, considerando internação regular, semi-intensivo e intensivo, diz ele, 48% são dos municípios e 43% dos Estados. Não estão contabilizados leitos ambulatoriais e de urgência. O dado, diz o economista, mostra o quanto do impacto no atendimento público aos casos mais graves da covid-19 irão ficar sob responsabilidade dos governos regionais.