O Globo, n. 32543, 12/09/2022. Política, p. 4

Combustível de votos

Jan Niklas


‘Mais de R$ 640 milhões destinados ao Acre. Campeão de recursos para o Estado!”, vangloria-se o senador Márcio Bittar (União-AC) em seu material de campanha para a disputa pelo governo do Acre nestas eleições. Vice-líder do governo Jair Bolsonaro (PL) no Congresso e relator do Orçamento da União em 2021, Bittar foi o campeão na indicação de emendas do relator nesse período e agora tenta converter o acesso aos recursos em capital eleitoral para disputar o pleito deste ano.

Ele é apenas um entre muitos parlamentares que usam a destinação dessas verbas como forma de turbinar suas realizações políticas em materiais de campanha. O chamado orçamento secreto, que surgiu sob críticas de falta de transparência e sem que fosse possível identificar os verdadeiros autores das emendas, agora chega à eleição com os parlamentares candidatos reivindicando a paternidade dos recursos. Levantamento do GLOBO analisou as emendas individuais dos congressistas, disponíveis no Portal da Transparência, e as indicações das emendas do relator, cuja autoria foi assumida pelos parlamentares em ofícios ao Supremo Tribunal Federal (STF) depois da exigência de maior transparência, além das propagandas eleitorais dos próprios candidatos, nas quais a capitalização das emendas é estratégia recorrente.

Mesmo após a ordem da ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), para implementação de um sistema detalhando essas emendas, ainda não há transparência completa sobre os recursos. Em maio deste ano, o Congresso encaminhou informações incompletas e sem padronização sobre sua destinação. Dessa forma, não é possível checar se os valores anunciados pelos candidatos estão corretos e como foram aplicados.

Márcio Bittar, por exemplo, informou ao STF ter destinado uma quantia de R$ 468,2 milhões em emendas de relator. No Portal da Transparência aparecem ainda R$ 51 milhões em emendas individuais. A soma desses valores é inferior ao total de R$ 640 milhões em recursos anunciado na sua propaganda. Patinando na quinta colocação na corrida ao governo do Acre, Bittar ele vem divulgando essa quantia em emendas como capital político para atrair o eleitorado.

A diferença em casos como esse pode se explicar pelo fato de que as emendas do relator com autoria identificada até aqui se referem aos anos de 2020 e 2021, sem contar as deste ano.

Presidente do Republicanos e candidato à reeleição em São Paulo, o deputado federal Marcos Pereira descreve-se em seu site como “o deputado que conquistou mais de R$ 500 milhões para São Paulo”. Porém, apenas emendas que somam em torno de R$ 47 milhões estão detalhadas no Portal da Transparência. Após a decisão do STF, Pereira declarou ter indicado R$ 189 milhões em 2020 e 2021. Em sua página oficial, ele detalha parte dessas emendas informando o valor destinado, a cidade e o tipo de projeto beneficiado.

Ainda entre os maiores contemplados pelo orçamento secreto, o senador Marcos Rogério (PL), atualmente em terceiro lugar na disputa para o governo em Rondônia, segundo as pesquisas, diz em suas peças de propaganda que ao longo de seus mandatos destinou R$ 755 milhões em emendas que beneficiaram 52 municípios do estado, valor bem maior que os R$ 108 milhões declarados no site da transparência, além dos R$ 184 milhões indicados em 2020 e 2021 através de emendas do relator.

Em terceiro lugar nas pesquisas sobre a disputa pelo governo do Tocantins, o senador Irajá Abreu (PSD) dedicou uma de suas publicidades de TV para promover os recursos destinados por seus mandatos para o estado. A propaganda anuncia que ele dedicou R$ 800 milhões para todas as cidades do Tocantins. O valor é superior ao montante da soma dos R$ 111 milhões declarados na Transparência com os R$ 106 milhões que ele assumiu ter indicado via orçamento secreto.

O deputado federal e candidato à reeleição em Minas Luis Tibé (Avante) tem como um dos principais motes de campanha as verbas orçamentárias indicadas por ele. Em peças de propaganda ele diz que “destinou mais de 400 milhões de reais em emendas para municípios mineiros, de todas as regiões do estado”. O valor é quase o dobro da soma das emendas detalhadas no Portal da Transparência, R$ 113 milhões, com os R$ 111milhões que ele informou ter recebido de RP9 em 2020 e 2021.

Vantagem na eleição

Há ainda casos de parlamentares candidatos que indicaram ao STF ter apadrinhado emendas de relator, mas não informaram os valores. Um deles é o senador Romário (PL), que concorre à reeleição no Rio de Janeiro. Ele anuncia em suas redes que destinou “mais de R$ 400 milhões” ao estado. Porém, no Portal da Transparência estão listadas emendas que somam somente cerca de R$ 100 milhões. A assessoria do ex-jogador afirmou que a discrepância poderia se dar por conta das emendas do relator que não aparecem no portal e negou acesso à tabela completa das emendas, por se tratar de “documento de trabalho interno”.

Segundo o cientista político da Fundação Getulio Vargas (FGV) Eduardo Grin, o uso em campanha de valores acessados pelos candidatos através do orçamento secreto se torna uma “vantagem” que desequilibra o processo eleitoral. Ele destaca que principalmente parlamentares do Centrão, de partidos como o PP e o PL — que tiveram a maior fatia das emendas do relator —, se beneficiam dessa tática.

— Como candidatos da oposição não desfrutam das benesses do orçamento secreto, enquanto aliados do governo recebem valores expressivos, a disputa se torna desigual — aponta Grin.

— Destinando essas emendas, eles capitalizam o fato de serem os grandes benfeitores da construção de uma unidade de saúde ou quadra de esporte. Isso amplia a visão clientelista da política.