Valor Econômico, v. 20, n. 4969, 27/03/2020. Política, p. A11

Congresso articula criação de empréstimo compulsório

Vandson Lima
Marcelo Ribeiro
Fabio Graner
Edna Simão


Insatisfeitos com as soluções apresentadas pelo governo federal para lidar com a pandemia do novo coronavírus, os parlamentares do Congresso Nacional se articulam em torno de uma série de medidas de impacto econômico. As propostas atacam para todos os lados: de empréstimo compulsório de empresas bilionárias ao governo, passando por impostos para grandes fortunas, saques do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), até a suspensão de pagamento de contas básicas.

O bloco do Centrão, que tem a maioria da Câmara, trabalha pela aprovação de um projeto que permite a realização de empréstimos compulsórios. Pelo texto apresentado pelo deputado Wellington Roberto (PL-PB), esses recursos seriam buscados junto a empresas com patrimônio superior a R$ 1 bilhão, que pagariam 10% do lucro registrado no ano passado.

O deputado Arthur Lira (PP-AL) apresentou requerimento de urgência para o projeto ser examinado na próxima semana.

O decreto de calamidade pública permitiria esse dispositivo, mediante aprovação de lei. Segundo fontes, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), teria reclamado com o autor da proposta por considerar que o texto afetará os bancos. Mas, diante da manobra dos parlamentares do Centrão, o presidente da Casa reconhece, nos bastidores, que não conseguirá travar o avanço da matéria na próxima semana.

A equipe econômica ainda não se posicionou, dado que Maia não patrocina a ideia. Duas fontes da área econômica não demonstraram simpatia pela proposta. Um desses interlocutores aponta que na prática o instrumento é semelhante a uma dívida, dado que o governo toma o recurso para devolver depois.

O projeto prevê que a devolução do dinheiro será depois de quatro meses, com correção pela Selic. “A não ser que juros fosse zero, seria de fato um compulsório, porque ninguém empresta ao governo brasileiro com juro zero”, comentou uma fonte.

Outro interlocutor aponta que a medida pode soar como confisco, mesmo com a expectativa de devolução à frente, lembrando políticas de países como a Venezuela. “Pode ser um fator de fuga de capitais”, disse.

Ele pontua que pode se complicar o cenário se esse movimento tiver a adesão da esquerda no Congresso.

O advogado Luiz Gustavo Bichara, sócio de escritório do mesmo nome, aponta que a medida em teoria é possível. “Mas penso que devemos ter muito cuidado com isso em função de três fatores: em primeiro lugar a nossa experiência. Os últimos empréstimos compulsórios criados simplesmente não foram devolvidos. Em segundo lugar a experiência também demonstra que o manejo de tributos com objetivo arrecadatório específico raramente obedece a sua finalidade. E em terceiro lugar parece haver ideias melhores do que aumento de carga tributária num momento como esse”, disse.

O Novo, através do deputado Vinícius Poit (SP), apresentou projeto que possibilita aos cidadãos o saque do saldo do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) em casos de estado de emergência, calamidade pública ou pandemia - como é o atual.

“O dinheiro do FGTS é do trabalhador. Ele deveria ter mais controle do seu próprio dinheiro, no caso atual, tem gente que não tem dinheiro para ficar 15 dias em casa”, disse o deputado.

Para ele, a medida seria uma possibilidade ante ao prolongamento da permanência da população em casa. “Isolamento social é importante por prazo determinado. Dentre desse cenário, resgate para quem está sem renda”, defende.

Atualmente, há 60,8 milhões de contas de FGTS. O saque indiscriminado traria dificuldades severas no financiamento de políticas de habitação, saneamento e infraestrutura.

“Seria uma medida pontual para o momento. Prioridade agora não é construção, mas colocar comida na mesa do povo”, conclui o parlamentar.

No Senado, o líder do PSL Major Olímpio (SP) entregou à Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) seu parecer sobre o PLC 183, que trata da criação do Imposto sobre Grandes Fortunas (IGP). O relatório prevê a criação do tributo por dois anos, para ajudar no enfrentamento das “consequências econômicas e orçamentárias geradas pelo combate ao coronavírus”.

Se aprovado neste ano, o IGP só poderia passar a ser cobrado no próximo ano. O texto estabelece que 50% dos recursos arrecadados devem ser direcionados para o Fundo Nacional de Saúde (FNS), 25% para o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) e 25% para o Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza.

Senadores de partidos de oposição - PDT, Rede e PT - apresentaram ainda uma série de propostas para suspender a cobrança de contas de água, esgoto e energia elétrica, com anistia integral dos pagamentos desses serviços por 90 dias; multas; e aluguéis.

Neste último caso, o governo assumiria o pagamento caso o proprietário do imóvel possua patrimônio em valor inferior a R$ 2,5 milhões.