Correio Braziliense, n. 21826, 19/12/2022. Política, p. 4

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Rosana Hessel


O futuro ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, recebeu uma importante missão de Luiz Inácio Lula da Silva (PT): reconstruir pontes e recolocar o Brasil no cenário internacional — e quebrar o legado da política externa do governo Bolsonaro. O futuro chanceler terá como missão, também, reestruturar o Itamaraty, reconstruir pontes com interlocutores e resgatar iniciativas dos governos do PT, “com perspectiva atualizada”.

“Bolsonaro não deu atenção nenhuma a isso. E na época do Ernesto (Araújo), aparecia pela excentricidade e bizarrice das posições ideológicas, até a mudança de ministério. Depois, a política externa passou quase invisível. Com Lula, a diplomacia não é apenas um instrumento externo, mas também interno. Ele a usa com duplo sentido e sempre a utilizou para ganhar prestígio”, salienta o professor, advogado, diplomata e ex-ministro Rubens Ricúpero, que ressalta a necessidade de aproximação com a Ásia, cujos países crescem em ritmo acelerado.

Ele cita Cingapura, Índia, Vietnã, Indonésia e Bangladesh como mercados emergentes e de interesse direto para o Brasil — além da China. No caso indonésio, Ricúpero prevê que ultrapasse a Rússia, e destaca Bangladesh — que “importa mais itens do Brasil do que os países nórdicos somados”.

José Alfredo Graça Lima, diplomata aposentado e vice-presidente do Conselho Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), avalia que, com relação a alguns temas da agenda internacional — acesso a mercados, desarmamento, defesa do multilateralismo, integração regional —, a política externa do novo governo não será muito diferente da dos anteriores. “Quanto a outros temas, dependendo do que for ou deixar de ser feito domesticamente, como em temas de sustentabilidade macroeconômica, proteção do meio ambiente, processo de acessão à Organização para Cooperação do Desenvolvimento Econômico (OCDE), liberalização do comércio, poderá ser diferente”, observa.

“É prematuro especular sobre os rumos da política externa de um país como o Brasil, sobretudo em um mundo em que as principais economias estão mais voltadas para o atendimento de seus interesses nacionais do que para o fortalecimento da cooperação multilateral”, frisa.

O especialista em relações internacionais Wagner Parente, CEO da BMJ Consultores Associados, alerta para o fato de o mundo estar cada vez mais instável. Dessa maneira, segundo ele, será preciso que o país adote uma nova abordagem tanto com os BRICS — bloco econômico formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul — quanto com os Estados Unidos.

“Mas a pauta regional continua relevante, com necessidade de garantir a liderança do Brasil na América Latina. Isso traz de volta algumas idiossincrasias. Por exemplo: reatar relações mais próximas com Venezuela é polêmico internamente, mas pode ser estratégico para a relação com os Estados Unidos”, destaca.

Parente lembra que Washington não tem um parceiro relevante para facilitar o diálogo com o presidente venezuelano Nicolás Maduro. “Acho que vai existir vontade para voltar a fortalecer um bloco mais amplo na América do Sul, mas algumas prioridades na agenda externa tendem a tomar tempo do novo ministro”, afirma ele, não descartando a reaproximação do país com EUA, Europa e China.

Valorização

Para a maioria dos pouco mais de três mil servidores do Ministério das Relações Exteriores (MRE), a expectativa é positiva com a troca de governo. Como prova da perspectiva otimista que se enxerga no Palácio do Itamaraty, são citadas nos bastidores histórias de desprezo pela diplomacia protagonizadas por vários personagens do primeiro escalão do governo Bolsonaro.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, é um dos mais citados como exemplo de alguém que obrigou o corpo diplomático a atuar como bombeiro para evitar crises por causa de declarações grosseiras — como a de setembro de 2019, ao dizer que Brigitte, mulher do presidente da França, Emmanuel Macron, “é feia mesmo”. Ou as palavras que usou para classificar a China, na reunião ministerial de 2020 — evento no qual, em vários momentos, Guedes recorreu a palavrões para defender suas posições. “Os chineses, infelizmente, sabem dos impropérios de Guedes sobre a China”, recorda Ricúpero.

Também são lembrados os atritos provocados pelo próprio responsável pelas relações exteriores brasileiras, o ex-ministro Ernesto Araújo, que fez várias acusações à China. Chegou a dizer que o governo de Pequim estava tentando comprar o Brasil e não “do Brasil”. Ou quando disse que o novo coronvírus fazia parte de um plano internacional de dominação promovido pelos chineses.

Ainda em relação à covid-19, o ex-chanceler se omitiu em relação a um tuíte do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que acusou a China de desenvolver o novo coronavírus em laboratório e de esconder da comunidade mundial que perdera o controle sobre o agente que criara. desenvolvera.