O Globo, n. 32544, 13/09/2022. Política, p. 4

Supremo 'vigilante'

Mariana Muniz
André de Souza


Terceira mulher a presidir o Supremo Tribunal Federal (STF) na História, a ministra Rosa Weber assumiu ontem com a promessa de manter a Corte “vigilante na defesa incondicional” da Constituição e da democracia. Numa cerimônia sem a presença do presidente Jair Bolsonaro, que foi convidado, ela afirmou que o país vive tempos “verdadeiramente perturbadores”, de “maniqueísmos indesejáveis”, e citou ataques “injustos e reiterados” sofridos pela Corte. Boa parte desses ataques partem justamente do presidente e seus aliados.

A ministra ficará no comando do Supremo por apenas um ano, uma vez que se aposentará em outubro do ano que vem, quando completa 75 anos. Caberá ao presidente eleito em outubro escolher quem a substituirá.

— O Supremo Tribunal Federal, estejam certos, permanecerá vigilante na defesa incondicional da supremacia da Constituição e da integridade da ordem democrática — afirmou ela, que acrescentou:

— Vivemos tempos particularmente difíceis da vida institucional do país. Tempos verdadeiramente perturbadores, de maniqueísmos indesejáveis. O Supremo não pode desconhecer esta realidade, até porque tem sido alvo de ataques injustos e reiterados, inclusive sob a pecha de um mal compreendido ativismo judicial, de parte de quem a mais das vezes desconhece o texto constitucional e ignora as atribuições cometidas a esta Suprema Corte pela Constituição.

A ministra, sem citar Bolsonaro, também afirmou que “descumprimento de ordem judicial sequer se cogita em Estado democrático de Direito”. No ano passado, durante os atos de 7 de Setembro, o presidente ameaçou não cumprir mais decisões do ministro Alexandre de Moraes, a quem chamou de “canalha”, mas recuou no dia seguinte. Em um momento anterior do discurso, Rosa Weber já havia criticado os “discursos de ódio”:

— Sejam as minhas primeiras palavras a de reverência incondicional à autoridade suprema da Constituição e de leis da República, de crença inabalável da superioridade do Estado democrático de Direito, de prevalência do princípio republicano, com destaque à essencial igualdade entre as pessoas — disse Rosa Weber, acrescentando: 

— Sem um Poder Judiciário independente e forte, sem juízes independentes, e sem imprensa livre, não há democracia.

O discurso, de quase uma hora, foi aplaudido longamente pelos presentes. A ministra optou por uma cerimônia discreta, no plenário da Corte, sem coquetel nem a recepção que costuma ser oferecida por entidades de magistrados após o evento oficial.

Defeesa das urnas

Ao assumir o cargo de presidente do STF, Rosa Weber também defendeu as urnas eletrônicas, que têm sido alvo de questionamentos por parte de Bolsonaro e seus aliados. Segundo ela, que comandou o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) nas eleições de 2018, a Corte tem condições de garantir a “regularidade” do processo eleitoral deste ano.

— O TSE mais uma vez garantirá a regularidade do processo eleitoral, a certeza e a legitimidade do resultado das urnas e, em fiel observância aos postulados de nossa Constituição, o primado da vontade soberana do povo — disse ela.

Cármen Lúcia foi a escolhida para discursar primeiro e disse que Rosa Weber, de quem é amiga, assume o cargo em tempos “de luto e desassossego”.

— O momento cobra decoro, a República demanda compostura. Não são aceitáveis comportamentos nem sentimentos que agridem os preceitos civilizatórios de respeito às diferenças. Não há de se admitir práticas de desqualificação agressiva de instituições e cidadãos. Não se promove a democracia com o comportamentos desmoralizantes de pessoas e de instituições.

A exemplo de Bolsonaro, os demais candidatos à Presidência também foram convidados, mas apenas Soraya Thronicke (União) compareceu. A última vez que o presidente da República não acompanhou a posse de um presidente da Corte ocorreu em 1993. Desde então, cinco chefes do Executivo estiveram na posse de 15 comandantes do Judiciário.

— Como presidente da República, ele tinha a obrigação institucional de estar aqui hoje, inclusive para ouvir os discursos das ministras Rosa e Cármen Lúcia — afirmou Soraya.

Gaúcha de Porto Alegre, Rosa Weber ingressou na magistratura em 1976, como juíza do Trabalho substituta. Foi indicada ao STF em 2011 pela então presidente Dilma Rousseff (PT). De perfil discreto e reservado, a ministra chega à presidência do STF com a expectativa entre os demais ministros de dar uma condução “institucional” à Corte.