Título: Além do Fato: A tragédia do subdesenvolvimento
Autor: Luiz Guilherme Piva
Fonte: Jornal do Brasil, 28/11/2005, Economia & Negócios, p. A18

Perto de terminar, 2005 registra desempenho mediano da economia. Há vitórias, como o controle da inflação, os superávits primários e os saldos externos. Mas há pontos perdidos. O crescimento do PIB ficará em torno de apenas 3,5%, o financiamento da dívida pública continua oneroso e devora o superávit primário e o câmbio sobrevalorizado trava as rodas das exportações na hora em que engatavam a quinta. Poderia ter sido pior, claro. Temeu-se que a crise política descarrilasse a condução da economia, o que felizmente não se deu. Algumas incertezas no exterior mostraram-se passageiras e não alteraram o ambiente. A propensão a travar investimentos em face dos juros reais tinha motivos para se espraiar, mas ficou contida. E o efeito câmbio acabou parcialmente compensado por mudanças positivas no comércio externo e por elevações de preços de commodities. Mas não é bom nos contentarmos com isso.

Principalmente porque poderia ter sido muito melhor. Liquidez internacional poucas vezes registrada recentemente, oportunidades reais no aquecido mercado externo, inflação em níveis compatíveis com juros mais baixos do que os vigentes, existência de projetos, investidores e usuários de infra-estrutura na ponta dos cascos ¿ um quadro propício a obter neste e nos próximos anos taxas muito maiores de crescimento. No entanto, isso parece escapar entre os dedos da mão fechada do governo.

Mais do que trazer melhores indicadores econômicos e mais espaço para a gestão pública, abraçar e explorar essa oportunidade talvez reavivasse a idéia de que temos pela frente o desafio primordial do desenvolvimento. Idéia motriz da concepção de Brasil nos primórdios do século 20 ¿ e combustível de sua arquitetura industrial moderna ¿, a obsessão pela superação da armadilha do subdesenvolvimento foi esquecida nos últimos 30 anos, fruto ou causa do próprio esgotamento do crescimento econômico.

Obrigados a gerir o curto prazo, pautados pela necessidade das elites (de dentro e de fora) de manter seus ganhos sem geração de riqueza, tropeçando em inflação, desajustes fiscais, crises cambiais, planos de estabilização, financeirização, desmonte do setor público e outros leões diários, os governantes do período tiraram do foco nossa tragédia: o atraso educacional, produtivo e tecnológico, além da miséria e desigualdade.

O governo Lula é resultado ¿ muito antes de sua eleição em 2002 ¿ da ressurgência daquela idéia, mas se vê como que a abdicar dela. Exibe suas vitórias macroeconômicas sem conectá-las à maior ou menor viabilização de uma estratégia de desenvolvimento, muito embora, diferentemente dos governos que o antecederam, não falte a este convicção quanto ao que precisa ser feito.

Por isso, não podemos nos contentar com o desempenho mediano quando há condições para passos mais largos. A transição para a viabilização de investimentos em infra-estrutura e logística, a modernização do mercado de capitais, a pesquisa científica e tecnológica (notadamente a bioenergia e a farmacêutica são as fronteiras mais promissoras e nas quais temos grandes vantagens) e o maior nivelamento (pelo alto) nos níveis educacionais e de renda, deveria ser o parâmetro da avaliação deste ano que se acaba. Se fosse, estaríamos em recuperação.

Que seja o do ano que vem. Já que passamos na média, que usemos esse bom patamar da macroeconomia ¿ aliás, bem melhor do que o deixado por oito anos de gestão do PSDB ¿ para nos impor um pouco mais do que os boletins de conjuntura costumam chamar de cenário otimista.

Os horizontes mais prováveis para 2006 são bons. Com a manutenção da queda gradual dos juros e o bom cenário internacional, deve haver razoável dinamismo na economia, crescendo até 5%. Alguns grandes projetos em transportes, na modalidade das PPPs, devem ter início. E deve haver uma melhora nos níveis de crédito ao investimento e ao consumo, junto com melhoras marginais no emprego e na renda.

Com o câmbio valorizado, haverá ganhadores e perdedores entre os que se dedicam às exportações e/ou às importações. Este pode ser um aspecto com forte influência não só na consistência da gestão macroeconômica, mas também no encadeamento ou não de algum caminho mais estratégico. Se é que vamos voltar a debater este assunto.

* Luiz Guilherme Piva é economista-chefe e diretor de Finanças da BDO Trevisan. É doutor em Ciência Política pela USP. Publicou Ladrilhadores e semeadores (Editora 34)