Título: Governo barra lei contra tortura
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Fonte: Jornal do Brasil, 15/11/2005, Internacional, p. A7

Suspeitos de terrorismo presos em Guantánamo sem acusação formal perdem o direito de recorrer em tribunais federais

WASHINGTON - Numa manobra legislativa, a maioria governista no Senado americano aprovou a retirada de de direitos de presos na base naval de Guantánamo, em Cuba. Os cerca de 500 detentos do local são suspeitos de terrorismo e, a partir da decisão, não podem recorrer a tribunais federais para questionar a legitimidade da pena que cumprem. A medida, que volta a abrir caminho para a prática da tortura, gerou protestos de organizações civis e da oposição.

Os detentos, em sua maioria afegãos e iraquianos, são considerados pelo governo ''combatentes inimigos'' estrangeiros. Muitos estão presos há quatro anos sem acusação formal ou julgamento. Cerca de 200 já fizeram uso do habeas corpus, o que fica proibido desde a votação de quinta-feira. De acordo com a nova lei, os supostos terroristas não poderão questionar o motivo de sua prisão e recorrer à Justiça por maus tratos, apesar de o presidente George Bush garantir que não existe tortura em seu país.

- Nosso país está em guerra e nosso governo tem a obrigação de proteger o povo americano - disse o presidente durante encontro no Panamá, na semana passada, ao ser questionado sobre a prática.

O Senado aprovou a polêmica medida com 49 votos a favor e 42 contra, numa sessão que durou menos de uma hora. A decisão anulou lei aprovada pela Suprema Corte, em 2004, que dava o direito de habeas corpus aos presos. Segundo essa instância, será discutida resolução que definirá se o governo pode criar tribunais militares para processar os detentos de Guantánamo.

A proposta foi do republicano Lindsey Graham, que afirmou pretender ''corrigir a balança'', fazendo com que supostos terroristas sejam tratados como ''combatentes inimigos'', ao invés de criminosos.

- Não daremos aos terroristas (...), a possibilidade de levar nossas próprias tropas à Justiça - afirmou, durante a votação de quinta-feira no Senado. - Se não controlarmos os abusos jurídicos cometidos pelos presos, danificaremos nossa capacidade de nos proteger.

Na opinião de Graham, os detentos ''saturam'' os tribunais com recursos que vão desde a legalidade de sua detenção à qualidade da alimentação.

Para a União de Liberdades Civis dos EUA, no entanto, a aprovação da medida impede os presos de solicitarem proteção contra tortura, abusos e violações do processo.

Já o senador democrata Jeff Bingaman, disse ontem que a oposição pretende recorrer da retirada do habeas corpus.

- Não é hora de se afastar dos princípios sobre os quais esse país foi fundado - afirmou.

Segundo o advogado Lee Casey, que trabalhou nos governos de Ronald Reagan e George Bush pai, o Congresso pode cancelar uma lei da Suprema Corte, mas na sua opinião, não é o melhor a se fazer nesse caso:

- Esvaziar a jurisdição da corte depois de já haver uma decisão é prematuro - avaliou.

Apesar de boa parte dos senadores já ter se manifestado a favor da revisão da emenda, a probabilidade de que o texto seja revogado ainda é pequena. Sete dos nove senadores que se abstiveram na votação são republicanos, e espera-se que apóiem a medida. Além disso, quatro dos cinco democratas que foram a favor estão dispostos a manter o voto. Depois de passar pelo Senado, a revisão do texto teria de ir ainda ao Congresso.