Valor Econômico, v. 20, n. 4969, 27/03/2020. Finanças, p. C1
BC afasta possibilidade de reunião extraordinária
Fabio Graner
Estevão Taiar
Alex Ribeiro
O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, afastou a possibilidade de reuniões extraordinárias do Comitê de Política Monetária (Copom) no curto prazo para eventuais reduções dos juros. Mesmo com o reconhecimento de que o cenário econômico se alterou desde a semana passada, ele mostrou-se, pelo menos por ora, confortável com o nível de juros básicos de 3,75% ao ano e defendeu a decisão de corte de 0,5 ponto tomada na semana passada.
“Entendemos que nesse momento taxa de juros está apropriada. Explicamos como foi o processo decisório, os fatores que levaram à decisão e elucidamos o tema das condições financeiras. Hoje não vejo nenhuma razão para ter nenhuma interpretação diferente da que foi dada [na ata do Copom, documento anterior]”, disse o chefe da autoridade monetária na entrevista sobre o Relatório Trimestral de Inflação, divulgado ontem.
Para o presidente do BC, é preciso cuidar para que a atuação da política monetária seja calibrada para manter-se efetivamente estimulativa. Ele indicou que, como há um elevado grau de incerteza, um ambiente de corrida dos investidores para “qualidade”, cortar mais os juros naquele momento poderia na prática ter efeito inverso ao desejado, porque poderia piorar as condições financeiras da economia. “Temos que olhar o efeito que o remédio terá no tempo.”
Ao reconhecer que todas as projeções de inflação divulgadas ontem estão abaixo das metas, Campos disse que o BC atua para alinhar os índices ao objetivo da autoridade. O documento mostrou queda generalizada nas estimativas, a mais baixa ficou em 2,6% para o IPCA em 2020, por conta dos efeitos do combate à pandemia do coronavírus na economia.
O chefe do BC disse que não emitiria opiniões sobre o que deve ser feito no enfrentamento ao coronavírus. “O que fazemos é atualizar os cenários de acordo com as circunstâncias”, disse Campos. O diretor de política econômica, Fabio Kanczuk, apresentou um quadro mostrando a correlação entre as tentativas de baixar a curva de contágio em pandemias e níveis de recessão. O BC ponderou, contudo, que esse é apenas um exercício para avaliar os impactos, sem conter juízo de valor sobre qual seria a melhor estratégia.
Campos Neto afirmou que, diante da crise, cenários de estresse, como a possibilidade de desabastecimento, estão sendo levados em conta pelo Copom. E com maior peso que o habitual, embora não seja o esperado.
Ele reforçou a mensagem de que o BC tem um arsenal amplo para atuar e deixou claro que o foco está nas condições de liquidez e crédito na economia, embora ele tenha dito ainda não enxergar uma grande retração nesse segmento neste ano. O BC reduziu suas projeções de alta do crédito.
Apesar disso, o BC, pelo menos nesse momento, não trabalha com empréstimos diretos para as empresas fora do sistema bancário. “Hoje não temos esse instrumento”, disse, explicando que outros bancos centrais têm mecanismos e mandato diferentes de atuação em relação ao brasileiro. Mas destacou que a autoridade brasileira e BC tem um canal de fornecimento de liquidez com lastro em dívida pública e que está buscando avançar isso para fazer isso dívida privada também, como o já anunciado com debêntures. O próximo passo deve ser com letras financeiras.
Para ele, é importante haver financiamento para a folha de pagamentos, como negociam bancos e empresas, mas salientou que isso não é tarefa do BC. “Nosso cenário base ainda é de uma crise temporária”, afirmou. Campos destacou que o sistema financeiro brasileiro é um dos mais sólidos do mundo, está bem capitalizado e tem liquidez para lidar com a crise atual.
A mensagem reitera que nestes momentos de alta incerteza, o custo de liquidez e de capital tem peso maior do que o nível de juros. “Quando se começa a ter situação de medo, de situação de incerteza grande na economia, os bancos começam a cobrar mais pela liquidez, começam a ter maior incerteza em relação a taxa de inadimplência e querem preservar mais o capital, e nesse caso, quando se olha os custos de liquidez, de capital e de juro, o custo de liquidez e capital ficam muito mais preponderantes que o de juros”, disse. “O canal de crédito é muito importante tem que se manter líquido e com precificação correta para que a alocação de recursos seja mais eficiente na economia”, completou. “Quando se fala de’ financial conditions’ [condições financeiras] no final o que está por traz é ser capaz de injetar liquidez na economia”, salientou.
Campos fez ainda um alerta fiscal. Disse que faz sentido a alta da dívida neste momento, mas ressaltou que é importante comunicar que isso é temporário.