Valor Econômico, v. 20, n. 4969, 27/03/2020. Finanças, p. C1
Decisão do Copom sobrevive a mudança de cenário
Alex Ribeiro
O cenário econômico mudou dramaticamente nos últimos nove dias, desde que o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central cortou os juros em 0,5 ponto percentual e sinalizou a manutenção da Selic em 3,75% ao ano. Ainda assim, a decisão e a mensagem de política monetária continuam válidas. Por quê?
O Banco Central não alterou a política monetária porque sua decisão foi tomada menos com base no cenário econômico, que é bastante fluido, e muito mais no balanço de riscos para a inflação, que tem uma enorme variância. É o que explicaram o presidente do BC, Roberto Campos Neto, e o diretor de Política Econômica, Fabio Kanczuk, em entrevista do Relatório de inflação.
O Banco Central se deparou, na reunião da semana passada, com um cenário com uma distribuição de possibilidades com caudas grossas. Ou seja, a probabilidade de ocorrer o cenário central, que prevê uma estabilidade do PIB em 2020, não era grande como costuma ser, comparado com cenários alternativos, entre os quais estava a possibilidade de uma recessão.
Quando tomou a decisão na semana passada, portanto, o Copom levou em conta tanto o cenário central de estabilidade do PIB quanto de uma queda do PIB. A indicação de que o BC estava pesando vários cenários ao mesmo tempo está no parágrafo da ata do Copom que diz que uma simulação apresentada ao colegiado indicava que seria necessário corte maior que 0,5 ponto na Selic para compensar o impacto do coronavírus na inflação.
Aqui, um detalhe importante: Kanczuk disse que essa simulação não sinaliza nada sobre as decisões futuras do Copom. É apenas uma mudança na comunicação, que ficou mais transparente para informar o que está sendo discutido dentro das reuniões do colegiado.
Mas, certamente, o Copom não está olhando apenas riscos do lado baixista da inflação. A ata mencionou o risco de um corte de juros, nesse momento, levar a um aperto nas condições financeiras, gerando o efeito contrário ao pretendido estímulo.
Campos Neto deu mais detalhes sobre o que, exatamente, está preocupando nas condições financeiras. São quatro fatores. Primeiro, o risco de o mercado azedar porque a agenda de reformas perde prioridade para as ações emergenciais contra a crise do coronavírus. Segundo, aumento de prêmios de riscos se não houver clareza que a expansão fiscal será temporária, e que depois o ajuste será retomado.
Terceiro fator: o BC quer entender como mais cortes de juros afetam os fluxos de capitais num momento em que os investidores já fogem de ativos de risco de emergentes. Por último, o Copom quer avaliar o chamado efeito riqueza da queda das bolsas e de outros ativos.
Dessa forma, as próximas decisões pouco têm a ver com as projeções de PIB e inflação do Relatório de Inflação. O que importa é o balanço de riscos. Cada risco tem um peso proporcionalmente maior do que o passado em determinar o rumo dos juros.