Valor Econômico, v. 20, n. 4970, 28/03/2020. Brasil, p. A2

PEC flexibiliza “regra de ouro” em gastos para conter pandemia

Marcelo Ribeiro
Edna Simão
Fabio Graner


A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que tratará da segregação do Orçamento, também conhecida como PEC do Orçamento de Guerra, estabelecerá uma flexibilização da “regra de ouro” e outras exigências fiscais durante a crise do coronavírus.

Na área econômica, técnicos dizem que a medida temporária é necessária para que o governo possa aumentar o endividamento para custear as medidas emergenciais, sem descumprir o dispositivo que impede a emissão de títulos para o pagamento de despesas correntes.

De acordo com fontes, o texto que institui regime extraordinário fiscal e de contratações para enfrentamento da calamidade pública ainda está sendo finalizado pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e por técnicos do Poder Legislativo. A ideia é apresentá-lo aos líderes partidários nesta semana para viabilizar sua aprovação ainda na primeira quinzena de abril.

Segundo minuta obtida pelo Valor, além da flexibilização da “regra de ouro”, a PEC libera uma série de obrigações fiscais durante o período de calamidade pública. O texto autoriza a contratação de pessoal, obras e serviços e a realização de compras por meio de um processo simplificado, menos burocrático que as regras válidas em situações normais. Com isso, profissionais poderão ser contratados pelo governo para ações de combate ao coronavírus de forma temporária e emergencial, sem precisar respeitar os limites de gastos com funcionalismo estabelecidos na lei.

Também fica dispensada a exigência de apresentação de fonte de recursos, de cortes de despesas em outras áreas ou previsão orçamentária prévia.

As despesas relacionadas ao combate ao coronavírus e seus efeitos na economia não precisarão cumprir as regras que regem o Orçamento, desde que não sejam permanentes. Poderão ser cobertas com o uso de recursos vinculados legalmente a outras finalidades. O projeto estabelece ainda que o Congresso terá cinco dias para analisar os pedidos de gastos extras enviados pelo governo.

Antes da votação da proposta, os parlamentares terão que analisar um projeto de resolução para estabelecer uma tramitação especial de emendas constitucionais em período de calamidade pública. Hoje, o rito prevê que PECs devem passar pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), que analisa a constitucionalidade do texto, e por uma comissão especial, que inicia os debates sobre o mérito. Só depois disso o projeto é apreciado no plenário da casa.

A ideia da PEC do Orçamento de Guerra surgiu para que o governo seja mais rápido na apresentação de medidas no combate ao coronavírus. Na avaliação de membros da cúpula do Congresso, o Planalto e a equipe econômica seguem “perdidos” sobre o potencial da crise e apostam em uma agenda “pouco eficaz”.

“Eles têm preferido dar uma novalgina a cada dia. Esse modus operandi só prolongará a crise, porque não será possível conter o avanço do vírus rapidamente. É preciso ser mais ágil que a doença”, disse um parlamentar que participa da construção de soluções.

Para parlamentares, grande parte do governo e da equipe econômica ainda não entendeu a dimensão da crise e, por isso, tem adotado a postura de lançar medidas pontuais. Mandetta e o presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, são apontados como “raras exceções de sensibilidade e consciência” no primeiro escalão.

Com a segregação do Orçamento, lideranças do Congresso acreditam diz um líder aliado de Maia.

Em outra frente, a Mesa Diretora do Congresso deve publicar ato conjunto para estabelecer rito mais simplificado para a tramitação de medidas provisórias que tratem do combate ao coronavírus. A ideia é que possam ser analisadas diretamente nos plenários da Câmara e do Senado, dispensando a apreciação da comissão mista.