O Globo, n. 32545, 14/09/2022. Política, p. 11
Distribuição do fundo eleitoral privilegia homens e brancos
Bianca Gomes
Malu Mões
Em março, quando foi convidada pelo PSB para ser candidata a deputada estadual por São Paulo, a urbanista e professora Carmen Silva recebeu a promessa de ter uma boa estrutura de campanha. Mas, a três semanas do pleito, recebeu apenas R$ 25 mil do fundo eleitoral, segundo o portal Divulga Cand, plataforma do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Isso fez com que chegasse à metade da corrida eleitoral sem conseguir impulsionar conteúdos na internet ou viajar pelo estado. Outras campanhas do mesmo porte já gastaram R$ 500 mil.
O caso dela não é isolado. Dados do TSE e da plataforma 72 Horas compilados pelo GLOBO mostram que quase metade das mulheres não recebeu nenhum recurso do fundo até o momento, embora os partidos tenham que repassar no mínimo 30% para as candidaturas femininas.
Mesmo entre as que receberam alguma transferência, o valor foi, em média, menor que o repassado às candidaturas masculinas: homens receberam 40% a mais até agora. O recorte racial retrata desigualdade ainda maior. Em média, brancos ganharam 72% amais do que pretos e pardos.
— Fazer uma campanha do tamanho da nossa sem nenhum recurso é inimaginável — diz Carmen, ativista pela moradia digna em São Paulo.
— Estou dialogando com o partido não só por mim, mas por todas as candidatas impossibilitadas de seguir pela falta de apoio de seus partidos.
Violência política
O subfinanciamento de mulheres e negros é uma violência política de gênero, afirma Drica Guzzi. Ao lado de Fefa Costa, ela é idealizadora da 72 Horas, plataforma cujo objetivo é dar mais transparência à distribuição dos recursos de financiamento de campanha.
— Ainda que a autonomia partidária seja necessária, torna-se importante maior democratização interna, transparência e regulação na distribuição dos recursos do fundo especial para que o subfinanciamento eleitoral não se caracterize como violência política de gênero e raça — frisa Drica.
Candidata a deputada estadual no Paraná pelo PSDB, Márcia Reis projetou gastos de R$ 170 mil a R$ 200 mil. O partido, porém, deu-lhe R$ 70 mil. Após muito insistir, ela recebeu mais R$ 30 mil.
Parda, Márcia chama a atitude de “racista e machista ”. O TSE exige que o repasse seja proporcional ao número de postulantes negros nos partidos, e, dos dez com mais verba do fundo, o PSDB é o que transferiu menos a este grupo:
— Senti que estavam achando que eu era uma candidata laranja. Chorei muito. Foi uma desigualdade imensa.
A falta de recursos afeta a política de inclusão de gênero e raça, diz a advogada Lazara
Carvalho, coordenadora estadual do movimento Paridade de Verdade e fundadora do Movimento ELO, grupo de juristas contra violações de gênero, raça e direitos humanos.
— Muitas candidaturas, quando enfim recebem algum numerário, já estão sem fôlego. Isso quando não há o endividamento desses candidatos, que em geral são do território periférico, provocando a manutenção de um parlamento branco, majoritariamente masculino e de elite.
Segundo dados da 72 Horas, cinco dos dez partidos que mais receberam os recursos públicos repassaram menos que o exigido para candidaturas femininas. Já o repasse proporcional para pretos e pardos, pelo menos até agora, está aquém de ser cumprido por todos. O União Brasil é oque está mais próximo, com diferença de um ponto percentual entre o número de candidatos e o valor transferido.
O PSDB afirmou, em nota, que “não faz sentido fazer esse tipo de cálculo antes que se termine o repasse ”. OPDT disse que todos os repasses ocorrerão até o final da campanha. O PT e o PSD declararam que os repasses estão em andamento e seguem a legislação. O União Brasil disse destinar os recursos “em estrita observância aos percentuais nacionais de candidaturas femininas e pretas/pardas”. O MDB pontuou que “em 2020, foi o partido que mais elegeu mulheres e negros” e realiza a reserva obrigatória de cargos para mulheres em todos os seus diretórios.