Título: Recado para 2006
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 28/11/2005, Opinião, p. A10
Apesar do otimismo crônico que baliza seus incontáveis discursos diários, é evidente que a crise atingiu o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e impôs séria ameaça às pretensões do petista para a reeleição. Na última semana, a pesquisa CNT/Sensus evidenciou o tamanho do estrago: a popularidade de Lula e de seu governo nunca esteve tão baixa desde o desembarque ao poder, em janeiro de 2003. Quase 30% dos entrevistados avaliaram negativamente a gestão petista. Em setembro, o índice era de 24%. A avaliação positiva somou 31,1%, contra 35,8% dois meses atrás. A rejeição ao presidente também cresceu. E o mais grave: nos últimos nove meses, foram mais de 20 pontos percentuais ladeira abaixo.
Os números rarefeitos são decorrentes da longa crise que fez desandar a gestão de Lula, maculou a imagem do PT e praticamente paralisou as atividades legislativas em Brasília. Significa, também, o aumento da inquietação dos cidadãos diante dos escândalos de corrupção - são crescentes os indicadores do desencanto com o envolvimento do partido que solidificou a própria imagem investindo contra os malfeitos incrustados supostamente apenas nas outras siglas. Do mesmo modo, os eleitores parecem ressabiados com os sucessivos movimentos do Palácio do Planalto contra os trabalhos das CPIs em curso no Congresso.
Embora o estado de espírito do eleitorado a mais de um ano das urnas não justifique nem açodamento, tampouco desespero, os índices das tendências das pesquisas acendem hoje a luz vermelha da advertência. O presidente Lula, em especial, ainda apresenta bastante capital político para sonhar com o segundo mandato. Há mais razões, contudo, para os receios vigentes no círculo político do PT. Alertas emitidos pelos eleitores devem ser creditados, por exemplo, ao descompasso entre o grau de expectativa e os resultados obtidos até aqui pelo governo petista.
Neste terreno, não são poucos os especialistas a apontarem as falhas de programas essenciais de um governo que se sustenta fundamentalmente nos bons resultados da economia (evidenciados na redução do desemprego e no fim da queda da renda depois de sete anos sucessivos). Mas os limites destas vitórias são bastante claros e não justificam a empáfia dos auto-elogios que costumam balizar os discursos presidenciais.
O palavrório tem sido uma das chagas a estremecer a imagem do governo Lula. Primeiro, porque o presidente e alguns de seus aliados mais relevantes trataram com desdém os escândalos encenados por Waldomiro Diniz, Delúbio Soares & Cia. Na sexta-feira, Lula deu nova demonstração de sua dificuldade de enxergar os próprios erros e creditá-los sobre os outros, ao atacar os adversários, chamando-os de ''medíocres e agourentos''. Também dedica especial ojeriza ao trabalho crítico da imprensa. E o mais grave: adota a megalomania para analisar o governo que comanda.
O Lula visto por Lula é campeão mundial de estadistas. As altitudes siderais da auto-avaliação presidencial classificaram o ''Fome Zero'' como o maior programa de combate à desnutrição em todo o planeta. O espetáculo do crescimento foi antecipado como uma estréia animadora. A vitória contra a pobreza e a desigualdade constitui um feito inédito em mais de 500 anos de história.
Há razões para acreditar numa fadiga dos espectadores para tantas frases superlativas. Em 2006, sinalizam os eleitores, milagres anunciados retoricamente podem não colar. Desde já uma sugestão para o candidato à reeleição. E para todos os seus adversários que aspiram à mais vistosa cadeira do Palácio do Planalto.