O Globo, n. 32547, 16/09/2022. Política, p. 9

Dois em cada três temem vio­lên­cia polí­tica

Aline Ribeiro
Laura Mariano


Uma pesquisa inédita da Rede de Ação Política pela Sustentabilidade (Raps) em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública revela que 67,5% dos brasileiros afirmam ter medo de serem agredidos fisicamente em razão de suas escolhas políticas ou partidárias. O estudo “Violência e democracia: panorama brasileiro pré-eleições de 2022”, realizado pelo Instituto Datafolha, mostra ainda que, do total de entrevistados, 3,2% relatam ter sofrido ameaças por motivos políticos no último mês. Se extrapolada a amostra da sondagem, são cerca de 5,3 milhões que já sofreram ameaças. O levantamento ouviu cerca de 2.100 pessoas entre 3 e 13 de agosto em cerca de 130 municípios.

O temor de ser vítima de reações violentas é tanto que a produtora audiovisual Mariana Ricciardi, de 39 anos, deixou de usar suas tradicionais vestimentas com frases, personalidades e símbolos da esquerda e adotou um jeito minimalista de se manifestar: mandou bordar uma camiseta coma frase “13 confirma” bem pequena, quase camuflada, e está cogitando comprar uma mais discreta do boné do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra.

— A gente está com medo porque sabe que existem pessoas despreparadas que estão armadas nas ruas — disse Mariana.

— A roupa é um registro identitário. Assim como usamos camiseta de um clube, de universidade, quem vota na esquerda faz isso como ato de resistência. Agora, só me manifesto entre amigos, na minha própria bolha.

O sociólogo Renato Sérgio de Lima, presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, avalia que o Brasil está “num debate eleitoral interditado”. Os casos recentes de violência político-eleitoral, como a diarista que teve uma marmita negada e os assassinatos dos petistas no Paraná e no Mato Grosso, têm mostrado que as divergências políticas podem acabar em retaliação ou até em morte.

— O discurso agressivo adotado pelo atual governo e esses casos criam um clima de pânico e acabam por mobilizar aqueles que são contra os avanços civilizatórios. As pessoas ficam paralisadas, porque estão sendo ameaçadas e se tornando víversão timas. Elas não saem mais com adesivos, não fazem campanha. A rua foi tomada por uma única facção ideológica  — opinou Lima.

Para a cientista política Mônica Sodré, diretora da Raps, os achados da pesquisa são preocupantes, sobretudo num país que tem visto crescer o número de armas nas mãos dos cidadãos e enfrentado ataques às instituições democráticas:

— Uma das dimensões mais importantes da democracia é o direito à participação, à expressão e à manifestação. Estamos vendo que esse direito pode estar prejudicado. Se as pessoas têm medo de se manifestar, é a própria democracia que está ameaçada.

Felipe Nunes, professor de Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais e diretor da Quaest Pesquisa, defende que o Brasil está vivendo um contexto em que as pessoas não se tratam como adversárias, mas como inimigas. Embora nova por aqui, essa tese, chamada de “polarização afetiva”, já é bastante difundida em outros países. Segundo ele, o processo de identidade de grupo faz com que o eleitor acredite que, “para sobreviver, tem de aniquilar o outro lado, que também está tentando destruí-lo”:

— No Brasil, será a primeira eleição com essa característica constituída. A consequência da polarização afetiva é o aumento de violência política e do autoritarismo, o receio de declarar o voto publicamente e a redução do debate público.

Indecisa e amedrontada

A estudante Sabrina Gomes, de 19 anos, irá votar pela primeira vez e ainda não escolheu seu candidato a presidente. Diz estar estudando “o bom e ruim ”de todos. Mesmo assim, evita se posicionar politicamente por medo de retaliação. Em 2018, apesar de ainda não ser eleitora, costumava usar as redes sociais para criticar candidatos. Acabou colecionando desafetos e optou por mudar a estratégia.

— Existem muitas pessoas ignorantes, então prefiro me manter reclusa. Já sofri constrangimento demais nas redes sociais. Também me aconteceu de sair na rua de vermelho, sem estar me referindo a nenhum partido, e ser tachada de lulista. Então evito roupas com cores de candidatos e qualquer sinal que remeta a algum deles. Tenho medo de sofrer algum tipo de ataque e agressão —disse.