Valor Econômico, v. 20, n. 4970, 28/03/2020. Brasil, p. A4
BNDES vai aportar capital em empresas em dificuldade
Francisco Góes
Bruno Villas Bôas
O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) vai aportar
capital em empresas que entraram em dificuldades a partir da pandemia do novo
coronavírus. O aporte será feito via BNDESPar, a subsidiária de participações,
e vai se valer de instrumento usado pelo banco no passado: a subscrição
de debêntures conversíveis emitidas por companhias de diferentes setores.
O
primeiro segmento beneficiado será o de empresas aéreas, que deverão receber
recursos em abril, disse ontem o presidente do banco de fomento, Gustavo
Montezano. Os valores das operações ainda não são conhecidos, uma vez que as
negociações com as empresas aéreas estão em pleno andamento.
Montezano
afirmou que a subscrição de debêntures deve incluir a cobrança de taxa de juros
“baixa” a ser paga pelos tomadores dos recursos. O objetivo, segundo ele, é
oferecer taxa “competitiva”, que não pressione o fluxo de caixa das empresas. A
transação não vai embutir subsídios, segundo ele. Uma das premissas é que os
recursos sejam investidos “exclusivamente” nas operações brasileiras das
companhias aéreas, sem a possibilidade de uso do dinheiro para pagamento de
dívidas privadas.
Montezano
disse que o aporte de capital nas empresas, a começar pelo setor aéreo, se dará
por meio do que chamou de instrumento “híbrido” ou “quasi-equity”, no caso as
debêntures conversíveis em ações das companhias financiadas. E completou: “A
ideia é que adote isso sim para outros setores [além do aéreo]”.
A
referência ao instrumento “híbrido” é porque uma operação que começa como
financiamento pode depois se transformar em patrimônio para o banco, disse um
especialista. Economista afirmou que o termo “quasi-equity” se refere a
instrumentos financeiros que podem não ser considerados dívidas e que capturam
a valorização ou desvalorização do patrimônio líquido da empresa ao longo do
tempo.
A
BNDESPar fez operações com debêntures conversíveis em crises anteriores
envolvendo companhias elétricas no período pós-apagão, no início dos anos
2000, e também exportadores, em 2008-2009. Fonte disse que o instrumento
existe, só não vinha sendo utilizado.
Em
videoconferência ontem para falar das ações do BNDES na atual crise, Montezano
afirmou que a pandemia está sendo um aprendizado para todos e reafirmou que
medidas como o programa de financiamento de R$ 40 bilhões da folha de
pagamentos de pequenas e médias empresas, operacionalizado pelo banco,
representam uma “inovação”. A operação com debêntures conversíveis mostra,
porém, que, em outros casos, a “história se repete”, disse interlocutor próximo
do banco.
Debêntures
conversíveis foram usadas pelo BNDES, no passado, para apoiar JBS, Marfrig,
Suzano, Oi / BrT e Bertin, disse executivo com conhecimento do tema. Montezano
reafirmou que o apoio não envolve operação de renda fixa com taxa subsidiada.
“O objetivo é que o dinheiro público seja remunerado em linha com o dinheiro
privado”, insistiu.
Especialistas
dizem que o principal ponto de negociação no contrato da debênture é o preço
fixado para a conversão do financiamento em ações da companhia apoiada. Há
outros elementos também importantes como prazo, carência, pagamentos de juros,
garantias e se a conversão é mandatória ou não.
No
caso das empresas aéreas, haverá queda de braço sobre o preço da conversão,
previu fonte. O banco vai tentar determinar preço de conversão mais baixo
enquanto as companhias privadas tentarão preço de conversão mais alto. Quanto
menor o preço fixado, maior a diluição dos atuais acionistas caso a conversão
seja mandatória. A lógica que
baseia
a operação é que essas empresas, que agora estão com seu valor de mercado
depreciado pela crise, vão se recuperar, com suas ações subindo novamente em
algum momento. “As pessoas vão precisar continuar voando”, disse um executivo.
Se no futuro eventualmente as ações não se recuperarem, o banco poderia
simplesmente cobrar a dívida.
Por
todas essas razões, a subscrição de debêntures conversíveis é considerada uma
operação com grande possibilidade de ganhos para o BNDES. Mas não só para o
banco. “Esse tipo de operação permite preservar empresas, empregos e a
atividade econômica, e captura ganhos para o governo, além do benefício social
envolvido”, disse fonte próxima do banco.