Valor Econômico, v. 20, n. 4970, 28/03/2020. Brasil, p. A4

Condições financeiras têm forte piora e voltam ao nível da crise de 2015, diz Ibre/FGV

Arícia Martins



Já relevantes para prever o comportamento da atividade antes do coronavírus, as variáveis financeiras ganharam ainda mais importância como indicador antecedente num momento de elevada volatilidade como o atual, que leva a revisões quase diárias nas projeções de desempenho do Produto Interno Bruto (PIB).

Para monitorar a trajetória desses dados no Brasil, que têm se descolado da política monetária expansionista, o Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV) passará a divulgar em breve o seu próprio Índice de Condições Financeiras (ICF). Elaborado pelos pesquisadores José Júlio Senna e Luana Miranda, do Ibre, e por João

Victor Issler, professor da EPGE/FGV, o ICF terá atualização diária e será publicado de forma gratuita no site da entidade.

A metodologia do índice é semelhante à de outras medições já existentes: o ICF agrega componentes de preços (commodities, petróleo e câmbio, por exemplo), de confiança dos agentes econômicos e incerteza - já publicados pelo Ibre - e variáveis do mercado financeiro, como índices nacionais e internacionais das bolsas de valores, medidas de risco-país e spreads de juros.

“Esse indicador é um resumo do que aconteceu nos mercados doméstico e externo em termos de índices financeiros importantes para o Brasil e é útil para avaliar o que ocorreu a cada dia”, explica Luana. Em sua visão, o ICF é o melhor dado disponível para projetar o desempenho do PIB um trimestre à frente.

“Com o passar do tempo, o interesse pelas condições financeiras deixou de ficar restrito ao mundo dos bancos centrais e do mercado e se percebeu sua influência sobre a atividade econômica”, diz Senna, chefe do Centro de Estudos Monetários do Ibre e ex-diretor do BC.

Do ponto de vista acadêmico, afirma Issler, da EPGE/FGV, existem pesquisas que tentam juntar o mundo financeiro ao “lado real” da economia. Como a análise macroeconômica está interessada em movimentos gerais, e não apenas de um ativo específico, o ICF é uma medida mais interessante para avaliar o impacto das condições financeiras na atividade do que usar apenas a Selic ou o juro básico da economia americana. “O ICF capta o retorno geral dos ativos.”

Nos Estados Unidos já existem vários indicadores dessa natureza, como o estimado pelo Goldman Sachs. Por aqui, bancos e consultorias costumam calcular um agregado das condições financeiras para uso interno, como o próprio Ibre vinha fazendo desde agosto passado. E o Banco Central brasileiro também está atento a esses números.

O Relatório Trimestral de Inflação de março dedicou uma seção à apresentação de um indicador diário de medição das condições financeiras para o Brasil, com o objetivo de “incorporar informações diárias sobre as condições gerais dos mercados financeiros, capturando tanto choques domésticos quanto externos”. No documento, o Banco Central explica como o dado é calculado e mostra um gráfico com sua evolução desde 2006, mas não detalha a trajetória.

Segundo a autoridade monetária, o ICF atingiu mínimas históricas no começo deste ano, mas subiu de forma significativa no período mais recente devido ao estresse nos mercados causado pela covid-19. A avaliação está em linha com o desempenho do ICF do Ibre, antecipado ao Valor.

Depois de ficar abaixo de zero de junho de 2019 a meados de fevereiro deste ano, o indicador teve forte subida ao longo deste mês e atingiu níveis comparáveis ao observado no terceiro trimestre de 2015, pior momento da última recessão. O ICF é medido em desvios-padrão acima ou abaixo da média histórica. Números negativos indicam condições financeiras frouxas, e positivos, apertadas.

Na última atualização feita pelo Ibre, de 26 de março, o ICF estava em 0,95, mas chegou a atingir 1,8 no dia 19, patamar próximo ao registrado em setembro de 2015. O nível de aperto, no entanto, ainda está longe do que vigorou no fim de 2008, quando, em meio à crise financeira, alcançou 3,36. Mesmo assim, ressalta Senna, a piora recente ocorreu na contramão da política monetária, que está em terreno ainda mais estimulativo à atividade.

Os bancos centrais perderam capacidade de influenciar as condições financeiras por meio das taxas de juros, o que também ocorre no Brasil, afirma Senna. Assim, o impacto das decisões de política monetária no nível de atividade também fica comprometido. “É muito comum ver manifestações de empresários sobre decisões do Copom, mas o foco está errado. Para quem está preocupado com a atividade, as condições financeiras importam mais do que a Selic”, resume.

À frente das projeções de atividade do Ibre ao lado da pesquisadora Silvia Matos, Luana aponta que há vários indicadores antecedentes do PIB, como os dados de produção industrial e vendas do varejo do IBGE, mas a divulgação deles é defasada. Por ter frequência diária, o ICF é um antecedente “poderoso”, diz.

A entidade estima que o PIB deve subir 0,1% entre o primeiro e o segundo trimestres, feitos os ajustes sazonais, com redução de 3,3% de abril a junho, mas a economista afirma que há viés de baixa em ambos os números.