Valor Econômico, v. 20, n. 4970, 28/03/2020. Política, p. A12

Prefeitos pedem responsabilidade ao presidente

Malu Delgado 


As duas principais entidades que representam os prefeitos de todo o país, a Frente Nacional de Prefeitos (FNP) e a Confederação Nacional de Municípios (CNM), defendem a manutenção de medidas de isolamento social, definindo regras nacionais para o funcionamento de atividades essenciais, e criticam as palavras e atitudes do presidente Jair Bolsonaro, que consideram irresponsáveis e absurdas. Os prefeitos estão preocupados com as eleições, marcadas para outubro, mas aí as opiniões divergem: a Frente acha que cabe ao Congresso e à Justiça Eleitoral tomarem uma decisão sobre a data do pleito; a CNM defende a suspensão e pontua que, historicamente, sempre foi favorável à eleição unificada no Brasil, a cada quatro ou cinco anos.

Os dirigentes das duas entidades de prefeitos brasileiros citaram, em entrevistas ao Valor, o exemplo da prefeitura de Milão, na Itália. Lá, a administração municipal defendeu uma campanha semelhante à que Bolsonaro prega agora, “Milão não para”. Um mês depois, na quinta-feira passada, com a explosão de mortes e colapso do sistema de saúde italiano, o prefeito, Giuseppe Sala, pediu desculpas à população e disse que cometeu um erro porque as autoridades não tinham entendido a virulência do coronavírus. Só em Milão, até a última sexta-feira, eram mais de 4.400 mortos.

“A fala do presidente [Bolsonaro] tem atrapalhado muito o processo. Entendemos que o isolamento social é extremamente importante. Evidentemente temos que manter as atividades essenciais, e isso precisa ter bom senso, serenidade e equilíbrio para tomarmos decisões em conjunto: União, Estados e municípios”, afirmou Glademir Aroldi, presidente da CNM e ex-prefeito do município Saldanha Marinho, no Rio Grande do Sul. Os prefeitos, enfatizou, têm conversado com os ministros Tereza Cristina (Agricultura) e Tarcísio Freitas (Infraestrutura) e concordam com o não fechamento de rodovias para assegurar a colheita de safras e a manutenção do abastecimento.

Prefeito de Campinas e presidente da FNP, Jonas Donizette (PSB) afirma que a postura de Bolsonaro é a maior preocupação dos gestores municipais no momento. A Frente enviou um ofício ao presidente na semana passada, fazendo cinco questionamentos a Bolsonaro sobre os objetivos e consequências da campanha “O Brasil não pode parar". Os prefeitos querem saber se Bolsonaro vai federalizar o SUS e se assume a responsabilidade pelo colapso do sistema “caso o governo federal suspenda a contenção social”. “Como estaremos na contramão do que indica e recomenda a OMS, o governo federal assumira´ as responsabilidades de todo o atendimento à população?”, perguntam os prefeitos.

“Colocamos isso no papel, e espero que o presidente responda. Que ele diga que assume a responsabilidade, que pode abrir tudo, comércio, que ele se responsabiliza pelas mortes. Aí tudo bem. Mas nós temos compromisso e responsabilidade, cada qual com a sua região”, enfatiza

Donizette. O prefeito de Campinas conta que adotou isolamento social ainda mais severo do que o proposto pelo governador de São Paulo, João Doria (PSDB). Pelo menos até o dia 12 de abril Campinas permanece em isolamento rígido. “Os passos que têm sido dados aqui em São Paulo mostram que as ações que estamos tomando estão surtindo efeito”, justifica  o presidente da FNP.

Os dois dirigentes mostram disposição em manter o diálogo com o presidente, mas cobram uma posição unificada no governo federal e criticam, duramente, a tentativa do presidente de transferir as responsabilidades de gestão, durante a pandemia, para governadores e prefeitos. “Não dá para ficar indo para e imprensa e dizer que a empresa que fechar por decreto de governador e de prefeito quem vai pagar as despesas trabalhistas são eles. Isso é um absurdo! Estamos num momento de calamidade pública, o próprio governo decretou. Então se não precisa tomar nenhuma medida por que o decreto de calamidade da União? Aí os governadores decretaram nos Estados, e os municípios, baseado nisso, estão tomando medidas. Essas medidas são importantes. Olhem o que está acontecendo com Milão, na Itália”, disse o presidente da CNM.

Para Jonas Donizette, “o presidente da República não pode governar para um grupo de internet, tem que governar para o Brasil”. Indignado, determinou na sexta-feira que a empresa municipal de trânsito multasse todos os carros que fizessem carreatas, estimuladas por Bolsonaro, e que as pessoas que se aglomerassem fossem multadas por desobediência civil e desordem social.