Título: Processo de Dirceu divide STF e decisão é adiada
Autor: Luiz Orlando Carneiro
Fonte: Jornal do Brasil, 24/11/2005, País, p. A4

Votação terminou empatada e nova sessão pode ser convocada ainda hoje

BRASÍLIA - O deputado José Dirceu (PT-SP) não conseguiu anular o processo de cassação de seu mandato no Supremo Tribunal Federal (STF), mas certamente vai adiar o seu julgamento pelo plenário da Câmara, que estava marcado para o dia 30. A votação da liminar no mandado de segurança ajuizado pela defesa do ex-chefe da Casa Civil foi suspenso pelo STF, no início da noite de ontem, depois de muito debate, com cinco votos pelo indeferimento total e outros cinco pelo acolhimento parcial da liminar, dos quais quatro a favor de nova interrupção do processo na Comissão de Ética, para a reinquirição de testemunhas pela defesa de Dirceu. O ministro Sepúlveda Pertence, ausente por estar doente, deve desempatar a votação, na sessão plenária de hoje, se estiver melhor, ou então só na próxima quarta-feira.

O voto do ministro-relator, Ayres Britto - logo seguido por Eros Grau e Joaquim Barbosa - foi contundente, no sentido de que nenhuma das alegações dos advogados de Dirceu era suficiente para interromper ou anular o processo de cassação do mandato do deputado. Os principais argumentos da defesa eram o de que o Conselho de Ética desrespeitara o devido processo legal, ao ouvir a testemunha de acusação Kátia Rabello, presidente do Banco Rural, depois dos depoimentos das testemunhas de defesa; que negara a retirada da representação inicial formulada pelo PTB; que ultrapassara o prazo processual de 90 dias, previsto no Regimento Interno. Além disso, a defesa argumentava que foram usadas no parecer do relator, deputado Júlio Delgado (PSB-MG), informações sigilosas colhidas pela CPI dos Correios sobre movimentações financeiras do Fundo Petros, em favor do PT.

Mas a divergência começou com o voto de Cezar Peluso. Ao contrário do ministro-relator - segundo o qual não houve ''nenhum prejuízo'' para o processado com a inversão dos depoimentos das testemunhas - Peluso considerou ''um fundamento importante'' a inversão da ordem legal da oitiva das testemunhas, por estar em causa o princípio constitucional do contraditório e da ampla defesa. Para Peluso, nada impedia que o Conselho de Ética promovesse a reinquirição das testemunhas de defesa de Dirceu - conforme tinham requerido seus advogados - depois do depoimento de Kátia Rabello. A seu ver, não houve, portanto, o ''exercício fundamental do contraditório''.

E deferiu, em parte, a liminar pedida pela defesa de Dirceu, para que fossem retiradas do relatório final do julgamento de José Dirceu pelo plenário da Câmara as menções ao depoimento de Kátia Rabello. O processo, no entanto, continuaria, sem a suspensão do julgamento no plenário da Câmara.

O ministro Gilmar Mendes acompanhou Cezar Peluso, mas depois modificou o seu voto, preferindo seguir os ministros Joaquim Barbosa, Carlos Velloso e Ellen Gracie, que acompanharam logo o relator.

Mas a grande divergência surgiu com o voto de Marco Aurélio que - depois de uma longa defesa do primado em qualquer processo, penal ou político-administrativo, do ''devido processo legal'' - concluiu pela necessidade de se dar aos advogados do deputado processado no Conselho de Ética a oportunidade de promover a reinquirição das testemunhas de defesa (entre as quais o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos), a partir do que disse a testemunha de acusação Kátia Rabello.

- Não quero suspender os trabalhos da Comissão de Ética. Quero implementar uma providência no campo de eficácia ativa do princípio do devido processo legal e do contraditório, refazendo-se o relatório já aprovado, depois da nova oitiva das testemunhas da defesa. Paga-se um preço de viver num Estado de Direito, e pouco me importa o que dizem os leigos - afirmou Marco Aurélio.

Acompanharam Marco Aurélio os ministros Celso de Mello, Eros Grau (que reformou o voto inicial) e o presidente do STF, Nelson Jobim.

Às 19h o julgamento foi suspenso até que seja colhido o voto de Sepúlveda Pertence. Formalmente, houve um empate, embora os votos pelo deferimento interrompam novamente o processo.