Valor Econômico, v. 20, n. 4970, 28/03/2020. Política, p. A11

Maia modera para deixar de ser alvo

Marcelo Ribeiro 


O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), adotou postura mais moderada em relação ao governo do presidente Jair Bolsonaro nos últimos dias. O novo comportamento faz parte de uma estratégia para tentar reduzir os ataques que Maia vem sofrendo dos seguidores do chefe do Poder Executivo nas redes sociais, para quem o Parlamento representa um risco ao projeto político do presidente da República.

Segundo o Valor apurou, Maia não está mais disposto a assumir a linha de frente para defender os Poderes das críticas frequentes de Bolsonaro. Também atacados, os presidentes do Congresso, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, optavam por reações mais brandas. É o presidente da Câmara, no entanto, que tem a função institucional de analisar os pedidos de impeachment. função institucional de analisar os pedidos de impeachment.

Nesse cenário, Maia virou alvo preferencial do presidente, auxiliares, apoiadores e de seus filhos, o vereador Carlos Bolsonaro, o deputado Eduardo Bolsonaro e senador Flavio Bolsonaro.

A gota d’água para que a estratégia de Maia passasse a ser desenhada ocorreu em fevereiro, quando Bolsonaro compartilhou vídeos de convocação para atos contra o Congresso e o STF. As relações já estavam abaladas após o ministro Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional) afirmar que os parlamentares faziam “chantagem” com o governo em meio à discussão da proposta que daria aos deputados e senadores maior controle sobre o Orçamento.

Segundo aliados, o reposicionamento de Maia tem como objetivo desconstruir a imagem criada pelo Palácio do Planalto de que ele é o “inimigo número 1 de Bolsonaro”. “Ele quer sair da política de confronto, tão defendida e praticada pelo presidente e seus apoiadores. Nem Maia nem nós cairemos nessa armadilha criada pelo presidente para ‘mitar’ nas redes sociais”, disse um parlamentar próximo ao presidente da Câmara.

Na avaliação de outra liderança, o comportamento do presidente é sustentado pela estratégia adotada por ele na campanha presidencial de 2018. “A equação de Bolsonaro é contra o PT. Deu certo e ele acredita que deve repeti-la. No Congresso, outros atores surgiram e ele os escolheu como alvos. Mas não somos o PT e não vamos dar margem para que ele construa narrativas para nos fragilizar”.

Maia teria sido encorajado a abandonar temporariamente os embates após diagnóstico de interlocutores de que “boa parte das críticas que fazem contra ele tinha robôs como origem”.

Fontes próximas a Maia acreditam que o parlamentar está sendo “responsável” por apostar em uma versão mais moderada. Isso porque cabe ao presidente da Câmara acatar um pedido de impeachment contra o presidente da República. Na avaliação delas, caso Maia mantivesse reações duras aos posicionamentos de Bolsonaro e levasse algum dos processos de impedimento adiante, aliados do presidente recorreriam a essas declarações para justificar que o afastamento foi construído pelo deputado do DEM.

O recurso, na avaliação de parlamentares, já tem sido utilizado por seguidores de Bolsonaro após a apresentação dos primeiros pedidos de impeachment na Câmara. Os panelaços diários em reação ao comportamento do presidente durante a pandemia do coronavírus também estariam sustentando a iniciativa de bolsonaristas.

“Com o presidente como alvo de manifestações diárias, aliados já tentam criar a narrativa de que o Congresso está se mobilizando para promover um golpe contra o presidente. Isso não está no radar. Talvez os parlamentares de oposição queiram, mas não estamos trabalhando com esse cenário”, aponta um aliado de Maia.

Em conversas reservadas, Maia tem afirmado que o “impeachment não faz parte de sua agenda” e que “muitas vezes é Bolsonaro quem quer jogar para esse enfrentamento”. O parlamentar do DEM sempre lembra, segundo pessoas mais próximas, que, “se quisesse ser presidente sem a legitimidade do voto”, teria articulado para que a Câmara tivesse acatado as denúncias contra o ex-presidente Michel Temer.

Ainda que tenha tomado a decisão de ser mais moderado em fevereiro, o tom mais diplomático foi reconhecido por seus pares na semana passada. A reação de Maia ao pronunciamento do presidente, que minimizou potencial do coronavírus e chamou a doença de “gripezinha”, foi elogiada por aliados.

“Desde o início dessa crise venho pedindo sensatez, equilíbrio e união. O pronunciamento do presidente foi equivocado ao atacar a imprensa, os governadores e especialistas em saúde públicas”, escreveu Maia, em uma reação muito mais comedida do que Alcolumbre, horas após o pronunciamento.

Agora, a prioridade do presidente da Câmara é passar a mensagem de que a construção da saída para a crise será feita em conjunto com o Executivo e, depois, a agenda econômica será retomada.

Em meio ao avanço do coronavírus, Maia também mudou, temporariamente, o discurso em relação ao ajuste fiscal. Para ele, neste momento o governo não deve medir esforços para superar a crise. A aliados, o presidente da Casa tem afirmado que “foi um dos primeiros a defender” que a política do ajuste fiscal não seria suficiente para resolver a situação.

Na semana passada, o parlamentar surpreendeu ao atribuir a investidores a pressão para que Bolsonaro recuasse sobre o isolamento social. Foi um raro momento de críticas ao mercado financeiro, com quem mantém boa interlocução.