Valor Econômico, v. 20, n. 4970, 28/03/2020. Política, p. A11

Ramos cresce na crise após desgaste com Congresso

Fabio Murakawa


A crise do coronavírus recolocou o ministro da Secretaria de Governo (Segov), Luiz Eduardo Ramos, entre os principais conselheiros do presidente Jair Bolsonaro. O ministro, porém, ainda trava um embate com a área ideológica do bolsonarismo em torno da comunicação do governo, sob o guarda-chuva de sua pasta.

Responsável pela articulação política do Planalto, o ministro sofreu forte desgaste na disputa por R$ 30 bilhões do Orçamento impositivo, no início de março. Bolsonaro recuou do acordo costurado com o Congresso por Ramos, chamado pelo presidente de “ingênuo”. Amigo de Bolsonaro, teve o cargo ameaçado, em meio a um embate nos bastidores com o ministro da Economia, Paulo Guedes.

Agora, com o avanço da pandemia, essa situação mudou. Segundo relatos ouvidos pelo Valor, Ramos soube preencher espaços vazios, sobretudo na articulação com os Estados, mas também no diálogo com o Congresso, para crescer na crise. Ele também tem se aproveitado da proximidade com o ministro-chefe da Casa Civil, Walter Souza Braga Netto, para ajudar na interlocução com os ministérios.

Ramos atua nos bastidores como um contraponto ao discurso belicoso do presidente. A Segov tem servido de ponte com os governadores, criticados por Bolsonaro, para a formulação de políticas de combate à covid-19.

Na semana passada, o ministro agiu para que a defesa do “isolamento vertical” - de pessoas idosas ou com a saúde mais frágil - não fosse institucionalizado pela Secretaria Especial de Comunicação (Secom), em contraposição ao que desejavam representantes do bolsonarismo radical no Palácio do Planalto.

Ramos tem o apoio da ala militar do governo no embate sobre como o governo deve se comunicar em meio à crise do coronavírus. Mas sofreu um revés nessa disputa na terça passada, com o pronunciamento em cadeia de rádio e TV do presidente. O discurso, que provocou panelaços e críticas, não passou pelo crivo de nenhum ministro palaciano - foi idealizado pelo “gabinete do ódio”, ligado ao vereador Carlos Bolsonaro, um dos filhos do presidente.

Na sexta, Ramos precisou apagar outro incêndio, quando um vídeo com o título “O Brasil Não Pode Parar”, feito por empresa contratada pela Secom, se espalhou via WhatsApp. À noite, a Secom divulgou nota dizendo que o material era “experimental” e que não havia passado por sua avaliação.

O ministro tem se equilibrado para manter um diálogo do Planalto com os governadores, criticados por Bolsonaro. Ele convenceu o presidente a realizar teleconferências com os chefes dos Executivos estaduais. E, apesar da discussão com o governador de São Paulo, João Doria (PSDB, Bolsonaro acabou aprovando a iniciativa.

Ramos aconselhou o presidente a avalizar a ideia do líder do governo na Câmara, major Vitor Hugo (PSL-GO), de oferecer um vale de R$ 600 para trabalhadores informais. O Congresso, que aumentou para R$ 500 a proposta de R$ 200 encaminhada pelo governo, ficaria com os méritos da iniciativa.

Fontes ponderam, contudo, que Ramos terá um desafio quando a crise passar: reconquistar junto aos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), a imagem de interlocutor confiável para a costura de acordos com o governo.