Valor Econômico, v. 20, n. 4970, 28/03/2020. Política, p. A12

Bolsonaro fala em editar decreto para população voltar a trabalhar

Estevão Taiar
Marcelo Ribeiro
Bruno Góes


A despeito das recomendações do Ministério da Saúde, o presidente Jair Bolsonaro saiu ontem do Palácio da Alvorada para fazer um tour pelo Distrito Federal. Parou em vários pontos para cumprimentar apoiadores, em locais com concentração de pessoas, e depois afirmou que estudava a possibilidade de editar um decreto aumentando o número de profissões que poderão atuar normalmente durante a quarentena.

“Estou com vontade, tenho como fazer, estou com vontade: baixar um decreto amanhã. Toda e qualquer profissão, legalmente, existente ou aquela que é voltada para a informalidade, se for necessária para o sustento dos seus filhos, levar o leite dos seus filhos, arroz e feijão para sua casa, vai poder trabalhar”, disse. “Me deu um insight, me deu uma ideia aqui agora e falei que estou pensando em fazer um decreto desses, para ver se cabe. Acho que ajuda um decreto desses. O cara vai  grama. Se não cortar grama, não tem dinheiro para comprar o leite, arroz e feijão para as crianças. Ele vai cortar grama.”

Bolsonaro também afirmou que irá recorrer à Justiça da decisão de primeira instância que barrou o funcionamento de casas lotéricas. “Vai começar uma guerra de liminares”, afirmou.

Nas interações sociais, Bolsonaro defendeu que somente idosos e doentes deixem de sair às ruas por conta do coronavírus. Disse que as medidas de restrição foram tomadas pelos governadores, e falou que “a cloroquina está dando certo em tudo que é lugar”, ao se referir a pesquisas sobre uso do medicamento para tratar covid-19. Tanto o chamado isolamento vertical quanto o uso dessa substância não são consenso na comunidade médica. Tampouco já têm respaldo oficial do Ministério da Saúde.

“Cada governador decidiu o que fazer no seu Estado. Às vezes, o remédio demais vira veneno”, disse o presidente ontem, durante o passeio, completando: “Defendo que você trabalhe, todo mudo trabalhe. Lógico, quem é de idade fica em casa.”

Na porta de um supermercado, em Ceilândia, Bolsonaro perguntou a pessoas que se aglomeravam ao redor dele o que elas achavam da regra de ficar em casa. Em meio a gritos de “mito” e pedidos para foto, ele levantou a questão: “Na ideia de vocês, o povo tem que trabalhar ou não?”, perguntou Bolsonaro.

O presidente também visitou o Hospital das Forças Armadas (HFA), em Brasília, para ver “o fluxo de pessoas” no local. “Passei por lá também para ver como estava o fluxo de pessoas por ventura chegando”, disse em entrevista coletiva na entrada do Palácio da Alvorada.

Mais tarde, nas redes sociais, Bolsonaro disse que todos os políticos deveriam sair às ruas e cumprimentar as pessoas, com o objetivo de ter a percepção sobre como o país está enfrentando a crise do coronavírus.

Enquanto o presidente fazia o passeio, o governo do Distrito Federal registrou a primeira vítima oficial da covid-19 no DF, uma mulher de 61 anos que morreu no dia 23. O resultado positivo da contraprova do exame dessa mulher saiu apenas por volta da meia-noite de sábado.

Já o Ministério da Saúde informou que o número de mortes de pacientes pelo novo coronavírus subiu de 114 para 136, uma alta de 19% na comparação com o dia anterior. O índice de letalidade cresceu de 2,9% para 3,2%. Os casos confirmados da covid-19 continuam aumentando em todo o país. Ele cresceu em 353 nas últimas 24 horas, para 4.256. Alta de 9% em relação ao dia anterior. *De “O Globo”