Valor Econômico, v. 20, n. 4970, 28/03/2020. Internacional, p. A13
G20 tenta conter restrições a alimentos
Assis Moreira
Os ministros de comércio das maiores economias do mundo, que formam o G20,
farão hoje uma reunião virtual de urgência. Vão tentar compromisso para frear
restrições crescentes nas cadeias globais de suprimento de alimentos e produtos
de saúde, conforme o Valor apurou.
Em
meio ao pânico causado pela propagação do coronavirus, desta vez participarão a
Organização Mundial do Comércio (OMC), como é normal, mas também a Organização
Mundial da Saúde (OMS), que está na frente do combate à pandemia.
Em
reunião na semana passada, os líderes do G20, como o chinês Xi Jinping e o
americano Donald Trump, concordaram que trabalhariam para “solucionar
interrupções nas cadeias globais de suprimentos” e assim garantir o fluxo entre
fronteiras de materiais médicos vitais, produtos agrícolas essenciais e outros
bens e serviços.
Na
prática, dobrou o número de países que desde o começo do mês já proibiram ou
limitaram exportação de materiais de saúde como máscaras, respiradores,
ventiladores e luvas. Eles são agora 60 nessa situação. Ou seja, nações
importadoras que precisam desesperadamente de equipamentos médicos de proteção
para prevenir mais infecções e um colapso dos sistemas de saúde, têm agora
60 fontes a menos de suprimento e, quando conseguem comprar, é a preço mais
elevado.
Apesar
do discurso de solidariedade por toda parte, cada um tenta assegurar seu
próprio abastecimento. A União Europeia teve que reagir, em meio a
proibições de exportações dentro do próprio mercado comum, por exemplo da
Alemanha para a Itália em certo momento.
A
Índia barrou a exportação de drogas que estão sendo testadas para o tratamento
de coronavirus, como o hidroxicloroquina. A Hungria fez o mesmo.
Para
certos negociadores, uma tentativa no G20 de coordenação internacional para
retirada das restrições às exportações de bens relacionados ao combate à
covid-19 tem pouca chance de prosperar.
O
certo, para a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), é
que restrições no comércio ameaçam não apenas a oferta na área médica,
como podem provocar rupturas nas cadeias de abastecimento de alimentos.
Basta
ver que a Rússia interdita por um período a exportação de grãos em meio a uma
corrida pela compra de seu trigo. O Cazaquistão interditou a exportação de
trigo, centeio, açúcar, batata, cenoura, nabo, beterraba, cebola, repolho,
sementes de girassol e óleo.
O
Vietnã, terceiro maior exportador de arroz, depois de Índia e Tailândia,
suspendeu a exportação da commodity. Filipinas, terceiro maior importador, não
esconde a inquietação nesse cenário. A Tailândia chegou a proibir agora a
exportação de ovo de galinha. Paquistão interdita a venda de cebola para o
exterior.
“Temos
que ter muito cuidado com as cadeias de suprimento de alimentos e produtos para
a saúde”, diz uma fonte. “É preciso tentar ao máximo deixar o mercado aberto”'.
A preocupação é também com outros segmentos. Por exemplo, se houver problemas
no abastecimento de plástico, com o confinamento em vários países,
complicará ainda mais a distribuição de alimentos e outros produtos.
Para
Abdolreza Abbassian, economista senior da FAO, a agência da ONU para
agricultura e alimentação, se países entrarem em pânico para se isolarem vai
acontecer mais turbulência nas cadeias de suprimento. Para ele, é preciso ser
racional, inclusive para não causar mais problemas na logística e rede de
distribuição de alimentos. Do contrário, para a aumentam os riscos de
tensões no sistema alimentar mundial a partir de abril ou maio.
Os
países do G20 representam cerca de 80% da produção mundial, 75% do comércio
internacional e dois terços da população mundial, segundo cálculos da Arábia
Saudita, na presidência rotativa do grupo integrado por África do Sul,
Alemanha, Arábia Saudita, Argentina, Canadá, China, Coreia do Sul, Estados
Unidos, França, Índia, Indonésia, Itália, Japão, México, Reino Unido, Rússia,
Turquia e União Europeia. A Espanha participa como convidado permanente.
Na
crise financeira global de 2008 e 2009, a comunidade internacional conseguiu
limitar o protecionismo, evitando políticas de “beggar-thy- neighbour”
(empobrecer o vizinho) ocorridas na Grande Depressão de 1929.
O
diretor-geral da OMC, Roberto Azevêdo, certamente obterá compromisso dos países
de manter mercados abertos. A questão é até que ponto isso realmente ocorrerá
na prática. Entidades do setor privado tentam influenciar nessa direção.
A
Coalizão Global Empresarial, formada por 17 organizações empresariais,
incluindo a Confederação Nacional da Indústria (CNI), sugeriu ao G20 a formação
de um Comitê Global de Suprimento covid-19. O mecanismo serviria como
plataforma de informação sobre o status global da cadeia de suprimentos,
questões e soluções.
Enquanto
o comércio exterior tende a causar preocupações, o Fundo Monetário
Internacional (FMI), aponta “uma ampla gama de problemas se acumulando em
mercados emergentes”, como, no caso de exportadores de commodities, choques de
preços. O FMI calcula que as necessidades de financiamento dos emergentes
chegam a US$ 2,5 trilhões.