O Globo, n. 32549, 18/09/2022. Opinião, p. 2

Entrave para o crescimento

Cássia Almeida


Apesar do discurso recorrente de que o país não é mais eficiente pela baixa escolaridade da mão de obra brasileira, foram os trabalhadores que garantiram algum crescimento, de 0,4% ao ano, na produtividade total da economia nos últimos quase 40 anos. Levantamento exclusivo do Observatório de Produtividade Regis Bonelli, da Fundação Getulio Vargas (FGV), revela que o desempenho das empresas patinou de 1982 a 2019, com baixa eficiência dos investimentos dos setores público e privado. Houve momentos de alta e de queda, mas o resultado foi a estagnação, dificultando a expansão do Produto Interno Bruto (PIB). Infraestrutura precária e sistema tributário complexo, que provocam distorções na forma como o dinheiro dos empresários e do governo é investido, explicam uma parte dessa falta de eficiência na produtividade do capital. Já o desempenho do trabalho, apesar da baixa qualidade da educação e de ainda termos cerca de 15% dos jovens de 15 a 17 anos fora da escola, avançou 0,6% ao ano.

— Sem dúvida, quem contribuiu mais foi a produtividade do trabalho, quando olhamos desde 1980. Nos anos 2000, ambas cresceram. Já na década passada, foram feitos investimentos que não deram certo, com muito custo fiscal. O que a gente colheu foi uma produtividade até negativa. Houve investimento, mas o PIB não veio. Houve má alocação do capital — afirma a pesquisadora Silvia Matos, responsável pelo estudo. Ela afirma que a produtividade cresceu com o avanço de serviços —como o de crédito, que era pouco expressivo, e o de informação — e com a expansão do setor formal.

Na educação, a escolaridade da população aumentou. O número médio de anos de estudos passou de 3,5 na década de 1980 para quase 9 anos em 2010. No ensino médio, só 33% dos jovens entre 15 e 17 anos estavam na escola há 40 anos. Essa parcela subiu para 85% em 2014. A formação superior também subiu entre os trabalhadores, com um salto recente. Pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, do IBGE, no primeiro trimestre de 2012, 14,1% da população ocupada tinham ensino superior. No segundo trimestre de 2022, já eram 22,2%. A pedagoga Ana Carolina de Souza e Silva, de 25 anos, é um exemplo do avanço da educação e da qualificação da mão de obra. Ela foi a primeira de sua família a concluir a faculdade. Os irmãos, mais velhos, só conseguiram terminar o ensino médio. Os pais têm o ensino fundamental incompleto:

— Minha mãe estudou até o 5º ano do fundamental, e meu pai cursou poucas séries. Com dislexia, meu pai achava que não conseguia aprender e saiu da escola para trabalhar. Formada em Pedagogia pela UFRJ em maio deste ano, Ana Carolina diz que a educação pública é seu objetivo. Atualmente, trabalha numa escola particular, como assistente, mas só está à espera da abertura de concursos para se dedicar à educação infantil ou ao ensino fundamental.

— Sou educadora, a educação me chama —diz ela.

Tributação improdutiva

Na outra ponta, o diretor técnico da construtora Mbigucci, Milton Bigucci Junior, planeja milimetricamente cada obra residencial e acompanha com lupa o movimento nos canteiros para compensar a perda de produtividade com o uso de cimento armado em vez de pré-moldados, que diminuiriam em cerca de 30% o tempo de construção de um prédio. Segundo ele, a tributação encarece a tecnologia mais eficiente:

— A construção residencial e comercial usa pouco pré moldados, praticamente nada. A tecnologia convencional sai mais barata. Já construções de fábricas e galpões logísticos usam pré-moldados porque são imóveis para locação e precisam ficar prontos mais rapidamente. O sistema tributário brasileiro provoca distorções que levam a escolhas de investimento menos produtivas, afirma o economista Bernard Appy, diretor do Centro de Cidadania Fiscal:

— A complexidade do sistema tributário tem um custo burocrático muito alto. O Brasil é o campeão mundial de tempo gasto para pagar imposto. Estamos produzindo menos do que poderíamos, porque estamos usando trabalho e capital de forma improdutiva, que não geram bens e serviços. Appy afirma que a tributação distorce a forma de organização da produção:

— Você tem R$ 10 milhões de capital, cem trabalhadores e pode construir dez prédios com concreto ou 11 com pré-moldado, mais eficiente. No Brasil, construímos dez prédios com concreto. Os sistemas simplificados de tributação, como o Simples, também jogam contra a produtividade da economia, na opinião de Appy:

— Eles estimulam a abertura de pequenos negócios improdutivos. Pela seleção natural, negócios eficientes crescem e os ineficientes quebram. Nosso sistema favorece a sobrevida dos ineficientes. Para o economista Claudio Frischtak, da Inter.B Consultoria Internacional de Negócios, a estagnação vem da má alocação dos recursos tanto do setor público como do privado. No caso de projetos de infraestrutura, segundo ele, é ainda pior:

— Exemplos não faltam. São projetos atrasados, com má alocação de recursos e execução terrível. Tudo isso combinado gera baixa produtividade.

Recursos desperdiçados

O economista cita o orçamento secreto como exemplo e diz que a governança do investimento público tem “um grau de irracionalidade elevado”, que não passa por análise de custo-benefício:

— Recursos são desperdiçados ou comidos pela corrupção.

O economista Samuel Pessôa, da FGV, também culpa o investimento liderado pelo setor público pela baixa produtividade do capital. Cita o governo de Ernesto Geisel (1974 a 1979, no regime militar), o segundo mandato de Luiz Inácio Lula da Silva e a primeira gestão de Dilma Rousseff:

— Foram períodos longos de crescimento liderado pelo setor público. Houve má alocação do capital em setores que não têm rentabilidade. Se tivessem, o setor privado já estaria investindo. Para que o investimento liderado pelo Estado faça sentido, tem que supor alguma falha de mercado. O melhor momento do investimento do capital foi no início da década de 2000, quando a produtividade crescia 1,5% ao ano. E caiu na última década (-0,9% ao ano), depois da aplicação em projetos como refinarias e hidrelétricas (BeloMonte),no Programa de Aceleração do Crescimento, segundo Pessôa:

— A gente tentou investir na indústria naval há 70 anos com JK, deu errado. Tentou com Geisel, deu errado. Tentou com Lula, deu errado. A heterogeneidade das empresas também é um limitante ao aumento da produtividade. O recente avanço da digitalização das empresas, acelerado pela pandemia, enfrenta barreiras para se disseminar:

— Houve digitalização das empresas maiores, mas os fornecedores não acompanharam o processo. A difusão da digitalização tem que ser feita pelas empresas líderes, como veículos para estimular, pressionar, difundir conhecimento para seus parceiros —explica Rafael Cagnin, do Instituto de Estudos de Desenvolvimento Industrial (Iedi).