Valor Econômico, v. 20, n. 4970, 28/03/2020. Empresas, p. B8

Governos disputam confisco de respiradores

Beth Koike


Na sexta-feira, a fabricante de respiradores pulmonares Magnamed e a 3M, produtora de máscaras, tiveram seus produtos confiscados por autoridades, que disputam entre si equipamentos e materiais médicos que estão em falta no mercado em razão da pandemia de covid-19. Há um conflito de decisões do governo federal, de governos estaduais e prefeituras.

Uma lei publicada em fevereiro deste ano permite que o governo faça apreensão de bens de fabricantes nacionais em casos de calamidade. Normalmente, paga-se à empresa a média dos últimos 12 meses ou o menor valor praticado, mas como o preço desses equipamentos e materiais aumentou muito por conta da demanda e alta do dólar, os fabricantes dizem que têm perdas com a operação.

Com sede em Cotia, a Magnamed teve sua fábrica invadida pelo vice-prefeito da cidade, Almir Rodrigues (PSDB), que acompanhado de agentes da polícia civil, levou 35 respiradores pulmonares. Em nota, a prefeitura confirmou que ação foi motivada pelo fato de que, uma semana antes, o Ministério da Saúde havia intimado a Magnamed a reverter toda a sua produção de 180 dias à pasta.

“Acionamos a Justiça Federal pleiteando afastar os efeitos da medida desproporcional do Ministério da Saúde, e assim, possibilitar a aquisição desses aparelhos respiratórios para atendimento da população”, informa nota da prefeitura de Cotia, que está construindo um hospital de campanha na cidade para atender pacientes com covid-19.

Na semana passada, o governador João Doria (PSDB) já havia dito ao presidente Jair Bolsonaro que não permitiria confiscos no Estado de São Paulo.

No sábado, a Magnamed entrou com uma ação judicial e o Tribunal Regional da 3ª Região determinou que a prefeitura de Cotia devolva os 35 respiradores pulmonares que, inclusive, ainda não estão prontos para uso. “Invadiram e roubaram 35 equipamentos. Não foi confisco. Não tinham amparo legal, nem ordem judicial para isso” disse Wataru Ueda, CEO da Magnamed, na sexta-feira.

O recolhimento foi feito com base em medida administrativa da prefeitura. A juíza Adriana de Zanetti, da 2ª Vara Federal de Osasco, concedeu liminar autorizando a apreensão.

Ainda na nota divulgada na sexta-feira, a prefeitura de Cotia afirmou que o município tentou, inúmeras vezes, fazer contato com a empresa para concluir o processo de aquisição dos aparelhos, sem qualquer retorno.

“Em virtude disso, aplicamos o instituto da requisição administrativa e vamos indenizar a empresa, conforme dita a lei”, acrescentou.

Durante entrevista coletiva sobre a covid-19 no sábado à tarde, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, criticou a ação da prefeitura de Cotia. Argumentou que não pode haver ações isoladas, porque uma cidade pode estar mais bem abastecida e outras com total escassez. “Teve um prefeito em Cotia que falou: ‘Já que a fábrica é aqui, no meu município, vou pegar uma liminar’. É inadmissível”, disse Mandetta.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, também criticou a atitude. “Se a gente invadir fábrica para pegar equipamento, vai interromper a produção. Isso é um crime contra a propriedade privada e contra a saúde pública no Brasil. Não pode começar a invadir uma fábrica, isso é caos, desobediência civil, isso não funciona”, disse Guedes, durante webinar promovido pela XP, também no sábado.

Segundo Guedes, a produção semanal de ventiladores pulmonares passou de 250 para 1 mil unidades no país, mas a demanda é de 1,4 mil.

Na 3M, agentes do governo do Estado, também acompanhados pela polícia civil, confiscaram 500 mil máscaras na fábrica da empresa localizada em Sumaré, interior de São Paulo. A empresa informou, por meio de nota, que ficou surpresa com a ação, uma vez que já havia acordado com o governo do Estado o fornecimento de 120 mil máscaras durante o mês de abril e que aumentaria a produção para 500 mil também para atender o governo.

Ainda segundo uma fonte, os confiscos podem gerar insegurança aos fabricantes internacionais, que podem preferir vender para outros países, desabastecendo ainda mais o mercado brasileiro. (Colaborou André Guilherme Vieira)