Valor Econômico, v. 20, n. 4970, 28/03/2020. Finanças, p. C2
BCE manda bancos suspenderem dividendos
Martin Arnold
O Banco Central Europeu (BCE) ordenou que os bancos da zona do euro congelem
pagamentos de dividendos e recompras de ações este ano, em uma escalada de seus
esforços para evitar que o coronavírus desencadeie uma crise de crédito na
Europa. A expectativa é que muitos dos maiores bancos da região cancelem
ou adiem planos de devolver bilhões de euros de excesso de capital aos
investidores.
O
BCE informou que os bancos “não devem pagar dividendos para os anos contábeis
de 2019 e 2020 até pelo menos 1º de outubro de 2020”. E acrescentou que os
bancos devem “abster-se de recompras de ações destinadas a remunerar
acionistas”. O objetivo do congelamento na distribuição de capital a
investidores, segundo o BCE, é “aumentar a capacidade dos bancos de absorver
perdas e sustentar empréstimos a famílias, pequenas empresas e corporações
durante a pandemia do coronavírus”.
O
presidente do Conselho de Supervisão do BCE, Andrea Enria, disse que os bancos
poupariam € 30 bilhões que teriam pago em dividendos. “Como tudo ao nosso redor
está sendo suspenso para concentrar todos os esforços de nossas comunidades no
combate ao coronavírus, também é necessária uma contribuição dos bancos e de
seus acionistas”, disse Enria em um post em um blog.
Embora
os dirigentes de bancos centrais acreditem que o sistema bancário global está
em muito melhor forma do que na crise financeira de 2008, eles estão
preocupados com a possibilidade de que a desaceleração econômica iminente possa
se ampliar se os bancos desistirem de fazer empréstimos a empresas e famílias.
Com
a previsão de economistas de que a zona do euro deve sofrer uma recessão ainda
mais profunda do que a que se seguiu ao colapso financeiro de 2008, as agências
reguladoras estão empenhadas em que os bancos mantenham o máximo de seus
balanços livres para absorver um provável aumento na inadimplência dos
devedores.
O
BCE já relaxou os requisitos de capital para o setor - ao prover uma redução na
exigência de fundos próprios estimada em € 120 bilhões, que poderia financiar €
1,8 trilhão em novos empréstimos - como parte de um pacote de medidas para
conter as consequências da pandemia do coronavírus, que inclui empréstimos
ultrabaratos para bancos.
Quando
anunciou o primeiro conjunto de medidas, duas semanas atrás, o BCE explicou que
os bancos deveriam usar a redução da exigência de fundos próprios “para apoiar
a economia e não para aumentar a distribuição de dividendos ou a remuneração
variável”. De acordo com um alto funcionário do BCE, é pouco provável que esse
alívio extra de capital seja usado para novos empréstimos, mas ele será
necessário para evitar que os bancos encolham suas carteiras de empréstimos
quando a esperada desaceleração econômica os obrigar a colocar mais capital nos
empréstimos existentes.
O
banco central informou que sua decisão mais recente não
“cancela retroativamente” os dividendos já pagos pelos bancos para 2019,
mas insistiu em que quaisquer resoluções sobre planos de pagamentos de
dividendos que estejam para ser votados por acionistas devem ser alteradas para
adiar os pagamentos.
A
medida do BCE foi anunciada na noite desta sexta-feira, depois que
os presidentes de bancos centrais e os chefes de regulamentação que
supervisionam o Comitê da Basileia disseram que adiariam por um ano os novos e
mais duros requisitos de capital bancário, para permitir que os bancos se
concentrassem em responder à crise do coronavírus.
No
começo da semana passada, a Federação Europeia de Bancos recomendou que os
bancos congelassem os pagamentos de dividendos e recompras de ações em uma
carta ao Mecanismo Único de Supervisão do BCE, que supervisiona os 117 maiores
bancos da zona do euro.
A
pressão sobre os balanços dos bancos aumentou nas últimas três semanas, quando
mais de 130 empresas na Europa e na América sacaram pelo menos US$ 124,1
bilhões de seus bancos, de acordo com uma análise feita pelo “Financial Times”
e com fontes informadas sobre a atividade. A agência reguladora financeira da
Noruega já solicitou que o governo proíba bancos e seguradoras de pagar
dividendos até nova ordem, seguindo uma decisão semelhante dos supervisores
suecos.
Até
agora, o Santander, da Espanha, é o único banco europeu a adiar o pagamento de
seu dividendo intermediário. Ana Botín, sua presidente, também doou 50% de seu
salário pessoal para um fundo criado pelo banco espanhol para pagar por
equipamentos médicos. No início deste mês, oito dos maiores bancos dos Estados
Unidos - entre eles J.P. Morgan, Bank of America e Citigroup - informaram
que suspenderiam seus programas de recompra de ações de bilhões de dólares até
julho, pelo menos, e citaram o “desafio sem precedentes” da pandemia. /
Financial Times