Valor Econômico, v. 20, n. 4970, 28/03/2020. Finanças, p. C3

Governo assume risco e banco deve reativar oferta de crédito

Talita Moreira
Flávia Furlan
Estevão Taiar


O acordo para financiar folhas de pagamento, costurado entre governo e bancos, é a principal aposta das instituições financeiras para reativar o crédito. A expectativa é que a medida dê fôlego para pequenas empresas sobreviverem ao período mais duro da crise e preservarem empregos, gerando, assim, demanda por empréstimos a pessoas físicas.

Executivos de bancos ouvidos pelo Valor afirmam que a linha ajudará a fazer com que a engrenagem volte a funcionar e que os R$ 40 bilhões reservados para o financiamento de salários terão um efeito multiplicador no sistema.

A explicação para isso é que o acordo transfere 85% do risco de inadimplência dessas operações para o Tesouro Nacional. O setor privado arcará com os 15% restantes. Nas últimas semanas, os bancos secaram a oferta de crédito diante do temor de uma quebradeira generalizada de empresas em consequência do coronavírus.

As pequenas companhias são consideradas um elo frágil e, ao mesmo tempo, fundamental para evitar um colapso maior da atividade. Mas os bancos deixaram claro à equipe econômica que não estavam dispostos a pagar a conta sozinhos. “Esse é um problema de governo”, diz uma fonte do setor.

Diante disso, as instituições financeiras levaram a Brasília propostas para a criação de uma linha em que a maior parte do risco de crédito não ficasse com elas, conforme revelou o Valor na semana passada. O governo concordou e, juntos, os dois segmentos montaram um plano.

A medida representa uma virada no tratamento que a equipe econômica vinha dando até agora à crise de crédito decorrente da pandemia. Os bancos públicos já haviam ampliado a oferta de recursos para capital de giro, mas fazendo valer o excesso de liquidez que têm - não havia risco extra para o Tesouro nessas operações.

O anúncio feito na sexta-feira aproxima a reação do Brasil à de mercados como Estados Unidos e Europa, que já estão financiando diretamente as empresas.

Serão concedidos R$ 20 bilhões por mês, durante dois meses. Não é pouco dinheiro. Em fevereiro, os canais bancários concederam um total de R$ 140 bilhões em crédito para pessoas jurídicas.

O alvo da linha são empresas com faturamento de R$ 360 mil a R$ 10 milhões. Os empréstimos terão taxa de juros de 3,75% ao ano (bem abaixo do custo de 20% que essas empresas costumam se financiar) e 30 meses de prazo, com seis meses de carência. “Queremos estabilizar o custo de crédito para essas empresas”, afirmou o presidente do BC, Roberto Campos Neto, durante o anúncio das medidas. Caberá ao regulador supervisionar o acordo. Segundo Campos, a folha de pagamentos costuma representar 45% dos custos dessas empresas. “Nosso intuito é fazer com que a base dos funcionários permaneça e diminua o custo das empresas.”

As companhias não poderão demitir durante os dois meses do programa. A exigência estará prevista em contrato. Os recursos do Tesouro serão operados pelo BNDES, que agora formula com os bancos um projeto para operacionalizar a linha em até duas semanas, provavelmente antes disso.

A entrada do governo no papel de garantidor não significa que o dinheiro chegará a qualquer empresa. A análise de crédito será feita pelos bancos privados, que seguirão seus modelos de avaliação de risco para conceder os recursos. Segundo o BC, um critério de elegibilidade será o histórico de bom pagador da empresa nos seis meses anteriores. Isso significa que candidatos que já apresentavam dificuldades antes da crise provavelmente ficarão de fora. “Não faz sentido usar dinheiro do Tesouro para empresas que já estavam quebradas. É um socorro financeiro, o governo não está doando dinheiro”, diz fonte do setor privado.

Outra limitação do programa é que o valor financiável por trabalhador é de até dois salários mínimos. A empresa terá de arcar com a diferença nos casos em que a remuneração exceder o valor. Nos cálculos do BC, a medida tem alcance potencial de 1,4 milhão de empresas e 12,2 milhões de empregados.

Bradesco, Itaú Unibanco e Santander anunciaram que vão oferecer a linha. No entanto, reiteraram que a liberação estará sujeita à análise de crédito. O risco da inadimplência pode acarretar R$ 6 bilhões de perdas aos bancos num cenário extremo, em que ninguém paga a dívida, diz fonte do setor. A Caixa também pode entrar "forte", segundo apurou o Valor.

De acordo com esse interlocutor, as instituições financeiras  os custos operacionais, incluindo a cobrança e a contratação da linha. As estimativas são de que controlar a operação custará cerca de 1% do valor total destinado, podendo ser mais conforme a inadimplência da carteira. Não será exigida garantia da empresa.


Em nota conjunta, Octavio de Lazari Jr., presidente do Bradesco, diz que as medidas servem para “proteger a economia”, enquanto o presidente do Itaú, Candido Bracher, avalia que “dará fôlego para milhões de empreendedores”. Sérgio Rial, presidente do Santander, afirma que “fará com que o capital de giro chegue às pequenas empresas com o único propósito de manutenção de empregos”.

A linha emergencial foi anunciada junto com outras medidas de apoio ao setor financeiro. Uma proposta de emenda constitucional está sendo preparada para permitir que BC compre créditos diretamente, cono faz o Federal Reserve, banco central americano. A iniciativa tem como objetivo dar liquidez ao mercado secundário de títulos de dívida, melhorando as taxas para as empresas. Campos anunciou que vai operacionalizar nesta semana o empréstimo para bancos com lastro em letras financeiras - o que deve injetar até R$ 670 bilhões em liquidez no mercado de crédito, segundo o BC. (Colaboraram Edna Simão, Matheus Schuch e Fabio Murakawa.