Título: Zapatistas agora miram na política
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Fonte: Jornal do Brasil, 24/11/2005, Internacional, p. A8

Guerrilha dissolve braço político do movimento armado e troca luta por marcha pela campanha eleitoral da esquerda

SAN CRISTÓBAL DE LAS CASAS, México - O líder guerrilheiro conhecido como ''subcomandante Marcos'' anunciou ontem a dissolução da Frente Zapatista de Libertação Nacional (FZLN) - braço político do Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN), atuante no Sul do México - para voltar a fundar outra organização, ''civil e pacífica''.

Em comunicado publicado no jornal La Jornada, de Chiapas, Marcos agradeceu o apoio da FZLN, criada há quase 10 anos, mas lançou duras críticas a alguns de seus partidários. A Frente, integrada por membros da sociedade civil, em quantidade nunca conhecida oficialmente, tinha o objetivo de fazer trabalho político e reunir fundos para o EZLN.

''Não houve momento de sofrimento, angústia e perigo em que a FZLN não estivesse ao lado do EZLN'', reconheceu o chefe rebelde.

Porém, segundo o líder, ''algumas pessoas usaram esse agrupamento político para proveito próprio, para isolar os zapatistas, e para usá-lo como plataforma para o protagonismo individual ou de um determinado grupo, além de simular compromisso onde só havia uma posição cômoda''.

No texto, divulgado em San Cristóbal de las Casas - cidade colonial de Chiapas (Sul), centro informativo do movimento zapatista - Marcos decretou que a partir de 25 de novembro a FZLN deixa de existir, em concordância com os próprios membros da agremiação.

''Ninguém pode usar seu nome para nenhum fim, por mais bondoso que este pareça ou seja'', afirmou.

Marcos também pediu, em nome do EZLN, desculpas àqueles que tenham se sentido lesados pelos erros da Frente e determinou que a ''nova organização nascerá dirigida pela Sexta Comissão do EZLN'', à qual se ingressará ''somente por convite expresso e será restrita, para que se cumpram os princípios zapatistas, impondo sempre a ética sobre considerações pragmáticas''.

Embora o líder guerrilheiro não tenha citado explicitamente a intenção de depor as armas em um processo formal, a dissolução da FZLN ocorre praticamente um mês antes de os zapatistas iniciarem uma viagem política por todo o México, a partir de 1º de janeiro. A coluna, com uma proposta pacífica, foi batizada de ''A Outra Campanha'', em contraposição às atividades proselitistas dos partidos políticos para as eleições presidenciais de 2 julho de 2006, na qual o Congresso também será renovado. Marcos quer formar uma frente ampla de esquerda não partidarista, visando o pleito e, posteriormente, a promoção de uma nova Constituição mexicana.

A campanha, que terá a duração de seis meses, foi decidida em julho, com a Sexta Declaração da Selva Lacandona, para que o EZLN ''retomasse sua luta'', justificou o subcomandante, com ''um trabalho político aberto, civil e pacífico''.

''Foi aberta, assim, uma nova etapa da luta zapatista pela democracia, liberdade e justiça para o México, e são necessárias algumas mudanças para cumpri-la à risca'', acrescentou o porta-voz, que não mostra seu rosto e não releva sua verdadeira identidade, sempre escondida sob uma balaclava.

Com a nova coluna, o líder rebelde almeja repetir o sucesso da ''Marcha da Cor da Terra'', de fevereiro de março de 2001, que convocou centenas de milhares de simpatizantes no Sudeste do México e na capital federal.

Laconicamente, por um comunicado oficial, o governo de Vicente Fox elogiou a decisão dos zapatistas de se incorporarem à política legal.

Mais eloqüente, Israel Galindo, analista político do jornal El Diário, acredita que a decisão do EZLN vai tentar preencher um vazio deixado com a decepção dos eleitores que votaram no prefeito da Cidade do México, Manuel López Obrador, um homem que esquerda, ''mas domado pela direita, pelo grande patrão''.

''Na política, os zapatistas trazem de volta a esperança de fazer possível o impossível e de, quem sabe, viver a utopia de um mundo melhor, como todos os pobres queremos'', escreveu.