Valor Econômico, v. 20, n. 4970, 28/03/2020. Finanças, p. C3

PEC ajuda a acalmar secundário de debênture

Ana Paula Ragazzi 


O anúncio feito pelo presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, na sexta-feira, de que está em elaboração proposta de emenda constitucional (PEC) para que o BC possa comprar créditos diretamente de empresas teve impacto positivo nas negociações no mercado secundário de debêntures. De acordo com gestores, os volumes negociados aumentaram e as taxas começaram a cair um pouco, em particular porque alguns bancos entraram com mais força nesse segmento.

Na avaliação do mercado, essa foi a iniciativa mais poderosa do BC para acalmar os ânimos desse segmento. Há cerca de dez dias, a falta de liquidez no secundário de debêntures travou as negociações e distorceu preços. Papéis de empresas “AAA”, emitidos a uma taxa de retorno de CDI mais 1%, chegaram a sair a CDI mais 5%, indicando um risco de crédito muito mais alto. Assim, perdeu-se toda a racionalidade da curva de custo de crédito para as empresas - se o papel de um grande grupo, com o melhor rating, sai a CDI mais 5%, qual seria o custo para uma empresa de porte menor?

A sinalização era que o crédito secava em cadeia. “Pela primeira vez o mercado de crédito passa por uma crise estando minimamente desenvolvido, com alguma negociação e referência de preços. Antes essas debêntures ficavam encarteiradas com os bancos ou Caixa e BNDES, e a solução era mais fácil”, diz um gestor. “Agora, com o mercado tendo participação maior nesses papéis, há necessidade de mais medidas, mais complexas, e esperamos que elas resolvam a situação. Se não funcionar, o temor é que o mercado de crédito regrida dez anos”, diz.

Os títulos de crédito privado emitidos por empresas que estão em fundos somam hoje perto de R$ 220 bilhões e, desse total, perto de R$ 80 bilhões estão com gestoras independentes. Diante da crise atual, elas estão sofrendo resgates e com dificuldades de fazer liquidez para honrá-los. O problema ficou ainda pior porque muitos fundos oferecem liquidez quase diária, enquanto as debêntures são de longo prazo.

A importância da normalização do crédito é gigantesca, dizem as fontes, porque o custo de capital das empresas é peça fundamental do cálculo do “valuation” delas. “Vamos usar o exemplo de uma empresa de energia que quebrou o ‘covenant’, porque a indústria desacelerou e teve receitas menores. O credor vai dar “waver” [uma espécie de perdão para evitar o vencimento antecipado], mas vai pedir um cupom mais alto e um prêmio maior. Em situação de normalidade, a empresa vai acessar um banco, pedir uma linha de crédito muito mais barata que isso e pagar o credor. Se não tem essa linha, a situação se complica, porque ela vai ter que entregar o fluxo de caixa dela para o credor. Não vai sobrar dividendo,  o custo de capital dela vai subir muito, influenciando as cotações na bolsa”, diz um gestor.

Na segunda-feira passada, o BC tentou dar liquidez ao mercado com uma linha de R$ 91 bilhões para que os bancos comprassem debêntures no secundário. Mas o funding foi atrelado ao compulsório e os grandes bancos não se animaram. Bancos que não recolhem compulsório ficaram de fora.

Na sexta-feira, depois da PEC, Bradesco e Santander estiveram mais presentes nas compras e a Caixa apareceu pedindo a gestores a lista de ativos para colocar ofertas. O Itaú era o único grande banco que sempre esteve presente no secundário. Bocom BBM e BTG Pactual também entraram nas negociações. Com alguma concorrência de ofertas, já houve sinalização de redução das taxas - o exemplo foram as debêntures da Equatorial, que chegaram a ter taxa de CDI mais 4,25% e recuaram para CDI mais 3,90%.

Uma versão do texto da PEC que circulava sexta-feira no mercado falava em autorizar o BC a comprar títulos do Tesouro Nacional e ativos no âmbito dos mercados financeiro e de capitais durante a vigência de estados de defesa, sítio, calamidade pública ou grave ruptura econômica, reconhecida pelo Congresso. As informações de bastidor eram que o tamanho do programa deverá ficar sob a gestão do Conselho Monetário Nacional (CMN). A expectativa mais otimista é que ela seja aprovada em uma semana; a mais pessimista, em três - os gestores veem urgência na aprovação.

A avaliação do mercado é que apesar da redação ampla do texto da PEC, o BC vai focar em ativos mais líquidos e debêntures de grandes empresas, como têm feito BCs de outros países. “Lá fora, eles começaram com os bônus de empresas com as melhores avaliações de crédito. Mas o mercado é tão grande que as operações se estenderam para bônus de mais risco [high yield] e ações, por exemplo”, afirmou um analista.

A lógica aqui seria o BC entrar nos papéis de grandes empresas, em lotes grandes de debêntures, normalizando os spreads. Isso empurraria os bancos para as empresas menores da cadeia corporativa, as pequenas e médias. “Do jeito que os spreads ficaram [na semana passada], a sinalização é que não haveria crédito para pequenas e médias. Então a atuação do BC normalizando as taxas para as maiores tende a ecoar para toda a indústria”, diz um gestor. Ele tem dúvidas sobre a atuação mais direta do BC na compra de papéis de pequenas e médias, por conta de dificuldades que teria para fazer análise de crédito, diante, por exemplo, da falta de balanços publicados das empresas ou de rol maior de informações. Mas muitas delas mantêm relacionamento ou são analisadas pelos bancos.