O Globo, n. 32549, 18/09/2022. Opinião, p. 3

Violência política atinge as mulheres

Renata Gil


Fenômeno que ganhou visibilidade nos últimos tempos em razão da maior participação feminina nas esferas decisórias, a violência política contra a mulher é uma reação do sistema em ruína. A igualdade de gênero não pode ser alcançada senão à custa de muito esforço.

Cada vez mais, mulheres ocupam ambientes antes restritos à presença masculina, como prefeituras, câmaras, assembleias legislativas, governos e o Congresso. Todavia, dentro dos partidos, o isolamento e a má distribuição de recursos ainda as mantêm afastadas dos principais cargos de comando.

É louvável, nesse contexto, a Lei 14.192/2021, que criminalizou a violência política contra a mulher. Além de prevenir, reprimir e combater esse tipo de ocorrência, a norma assegura a frequência feminina em debates eleitorais de modo proporcional ao número de candidatas.

Tal conquista resulta de uma intensa mobilização de lideranças femininas, que, apesar das dificuldades, não se furtaram a defender a representatividade das mulheres, em conformidade com o princípio constitucional que preza pela construção de uma sociedade igualitária, em que todos desfrutam as mesmas garantias.

O artigo 3º da nova legislação considera como “violência política” contra a mulher “toda ação, conduta ou omissão com a finalidade de impedir, obstaculizar ou restringir os direitos políticos da mulher”. A expectativa é que tais disposições gerem efeitos nestas eleições, em que deverão se eleger mais mulheres nas disputas majoritárias e proporcionais.

Em 1998, 32 mulheres obtiveram cadeira na Câmara dos Deputados, cerca de 6% do total. Quatro anos depois, o índice saltou para 8%, mantendo-se no mesmo patamar nas votações de 2006 e 2010. Um pequeno incremento aconteceu em 2014, quando chegou a 10% — saltando para 15% em 2018.

À medida que as mulheres tomam seu espaço, a resistência torna-se virulenta. Recente reportagem do portal Metrópoles revela que, na primeira semana da campanha eleitoral, 97 candidatas foram alvo de 3 mil publicações ofensivas no Twitter, com xingamentos como “louca” e “velha”. Em todo o Brasil, no primeiro semestre, 40 pessoas foram mortas, vítimas de crime político, de acordo com estudo do Observatório da Violência Política e Eleitoral da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Eu também, como presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), sou constantemente vítima de insultos parecidos — que buscam, a partir da vestimenta da mulher, macular sua dignidade.

A gravidade da violência política contra a mulher está na cadeia de consequências. Cidadãs violentadas no curso de sua atuação política terão menos forças para debelar as violências de que as mulheres padecem no cotidiano, seja com companheiros agressores, seja com a falta de oportunidades.

O enfrentamento à criminalidade de gênero é uma imposição da nossa época. Não bastam as campanhas educativas que visam à conscientização da população. Junto ao endurecimento das regras, é imprescindível a efetiva fiscalização. Do contrário, permaneceremos eternamente reféns do machismo e da discriminação.