Valor Econômico, v. 20, n. 4970, 28/03/2020. Finanças, p. C5

Há dúvidas sobre como será feito aporte do Tesouro

Fabio Graner 


O governo inovou ao permitir o financiamento da folha de pagamentos de empresas pequenas, mas ainda está trabalhando na formatação prática dessa medida. Uma das questões a se resolver é como será feito o aporte do Tesouro Nacional. De acordo com uma fonte, algumas possibilidades estão na mesa.  Uma delas, explica, é a emissão de dívida para o fundo que será gerido pelo BNDES ou repasse de dinheiro da conta única, que se assemelhariam às operações de crédito feitas nos governos do PT. Nesse caso, haveria imediato aumento da dívida bruta.

O outro caminho possível é o BNDES aportar recursos nesse fundo diretamente, com o dinheiro que teria que devolver ao Tesouro. O movimento de devolução dos empréstimos foi suspenso pelo banco a partir da crise do coronavírus, para que a instituição se mantenha capitalizada para as ações anticíclicas.

Esse desenho evitaria uma alta imediata, considerando o total de R$ 37 bilhões prometido para os próximos dois meses, de cerca de 0,5 ponto na dívida bruta, ainda que futuramente isso signifique que a dívida bruta também não cairá na mesma magnitude que seria, caso a devolução fosse processada normalmente. Embora seja uma questão contábil, o governo mantém uma preocupação fiscal de longo prazo que esse tipo de decisão pode ter. E o modelo escolhido mais para frente pode afetar a percepção sobre as contas.

Outro ponto a se resolver é como se lidará com as inevitáveis inadimplências das operações. Já se sabe que nesse caso elas terão que ser contabilizadas como despesa. Mas elas podem ser consolidadas nas contas públicas ao longo do tempo, conforme forem se materializando. Ou o governo pode de imediato definir uma estimativa de recursos que perderá nas operações e já lançar na dívida como despesa. A desvantagem nesse segundo caminho é explicitar mais rapidamente o efeito fiscal negativo.

Chamou a atenção o fato de que nenhuma autoridade fiscal - nem o secretário especial de Fazenda, Waldery Rodrigues, ou o secretário do Tesouro, Mansueto Almeida, sem falar no ministro Paulo Guedes, que reapareceu na sexta com um discurso sobre o enfrentamento da crise - tenha participado do anúncio. Iniciado pelo presidente Jair Bolsonaro, o anúncio teve protagonismo do presidente do BC, Roberto Campos Neto.

Seja qual for o caminho, o aporte nesse fundo exigirá a edição de mais um pedido de crédito extraordinário pela União, que permite uma despesa que não consta do Orçamento. Ou seja, o Congresso terá que aprovar a iniciativa.

Os parlamentares também em breve terão que se debruçar na proposta que permite ao BC comprar créditos diretamente das empresas e não só por meio de bancos. A medida aproximaria a autoridade monetária dos seus pares dos países desenvolvidos, dando maior poder de fogo para o enfrentamento da crise. Na prática seria socializar perdas, mas, nesse caso, dada a calamidade que está se desenhando, faz todo sentido.