Título: Os arquivos da discórdia
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 24/11/2005, Opiniao, p. A10

São melancólicos e desmoralizantes os episódios sobre a anulação da doação do Convento das Mercês para a Fundação José Sarney. Prédio tombado pelo patrimônio histórico nacional, relíquia do século 17 inaugurada pelo Padre Antonio Vieira, o convento tornou-se palco de uma disputa bizantina. Situado no centro histórico de São Luís, havia 15 anos o prédio estava incorporado ao patrimônio da Fundação da Memória Republicana, entidade que abriga o Memorial José Sarney, acervo do senador do período em que ele foi presidente da República. A medida fora autorizada pela Assembléia Legislativa do Maranhão.

Na semana passada, os deputados estaduais devolveram ao Estado o controle do convento, aprovando um projeto de um parlamentar oposicionista, revogando as leis que cederam o prédio para a Fundação José Sarney. A decisão, obviamente, despertou acaloradas manifestações de lado a lado.

Na trilha perseguida pelos deputados de oposição a Sarney, não foram raros os exemplos de excesso político e retórico. Como a declaração do autor do projeto, Aderson Lago (PSDB), para quem a devolução do Convento das Mercês ao Estado soa como uma ''queda da Bastilha francesa'' (sic).

A despeito das críticas a fazer a Sarney e seu grupo político, bem como à eventual riqueza do mausoléu, o gesto promovido pela Assembléia e o debate que se seguiu constituem mais um exemplo de desqualificação da classe política brasileira. Acervos documentais privados de presidentes e ex-presidentes da República são de interesse público. Registram a história do país. Integram o patrimônio cultural brasileiro.

O Maranhão, em geral, e São Luis, em particular, deveriam ter um enorme orgulho de abrigar os arquivos de um ex-presidente da República. No caso do Memorial José Sarney, são 550 mil documentos de relevância inequívoca - agora tisnados por disputas políticas desprezíveis.