Valor Econômico, v. 20, n. 4971, 31/03/2020. Brasil, p. A4

Ajuda alivia um terço de impactos sobre atividade, estima estudo da FGV

Anaïs Fernandes


No aguardo de sanção presidencial, o auxílio de R$ 600 têm potencial para mitigar pouco mais de um terço dos impactos de paralisações e medidas de isolamento na renda, no emprego, e, assim, na atividade, apontam pesquisadores da Escola de Economia da Fundação Getúlio Vargas (EESP/FGV).

Por mês, a medida custaria cerca de R$ 18,4 bilhões, diz o estudo. Seriam 26,9 milhões de beneficiários dos R$ 600, além de 1,9 milhão de mães solteiras chefe de família que terão direito a cota dupla. A política evitaria perda líquida de renda mensal para os 30% mais pobres da população, estimam Marco Brancher, Guilherme Magacho e Rafael Leão, pesquisadores associados do Centro de Estudos do Novo-Desenvolvimentismo (CND), a partir de dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad).

O impacto da medida, considerando reflexos indiretos na cadeia de produção e o efeito induzido da renda, seria uma sustentação de R$ 28,4 bilhões mensais em termos do Produto Interno Bruto (PIB), além de 6,2 milhões postos de trabalho. Em três meses - hipótese para a duração de medidas de isolamento -, o montante chegaria a R$ 85,1 bilhões, ou um acréscimo de 1,2% do PIB (tendo 2019 como referência). Com isso, o impacto negativo projetado para 2020 ficaria em 2,1% do PIB, já que, sem nenhuma medida de recomposição de renda, o choque seria de 3,3%, de acordo com o estudo.

Com a renda emergencial, a perda de ganhos mensais dos trabalhadores informais e autônomos, bem como de desempregados/desalentados, somaria R$ 33,9 bilhões. Sem auxílio, saltaria para R$ 52,3 bilhões, um impacto negativo total de R$ 80,6 bilhões em PIB mensal, além do fechamento de 17,6 milhões de postos de trabalho, estimam. Três meses de isolamento gerariam um aumento de 19,7 pontos percentuais na taxa de desemprego, que encerrou 2019 em 11%.

“O impacto imediato do período poderia ser uma taxa superior a 30%”, diz Guilherme Magacho, PhD pela Universidade de Cambridge e também professor da Universidade Federal do ABC. “Os R$ 600 têm efeito positivo significativo e, vigente por três meses, custaria menos de 1% do PIB. O impacto é menor do que se a renda emergencial fosse de um salário mínimo, que seria o ideal, mas pelo menos mitiga parte do problema gerado”, afirma.

A implementação de uma renda emergencial de um salário mínimo (R$ 1.045) e horizontal (para todas as classes), também direcionada aos grupos vulneráveis, custaria mais que o dobro: R$ 49,6 bilhões por mês, de acordo com o estudo. Nesse cenário, porém, a política poderia garantir R$ 76,5 bilhões em termos de PIB mensal, além de 16,7 milhões postos de trabalho. Em três meses, significaria um impacto positivo para o ano de 3,1% do PIB. “O choque seria quase todo compensado”, diz

De todo o modo, ele ressalta, o pagamento de R$ 600 por três meses deve ser um prazo mínimo. “É importante que esse valor seja reduzido progressivamente, para que as famílias possam se restabelecer, senão, é um baque na economia”, afirma.

Na recomendação de pesquisadores do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), um benefício temporário teria valor mínimo de R$ 450, mas duraria seis meses, com possibilidade de prorrogação. O valor estaria disponível para todas as 21,1 milhões famílias com renda abaixo de meio salário mínimo per capita registradas no Cadastro Único. O público atingido pelas transferências aumentaria em cerca de 50%, para 63,6 milhões de pessoas, pouco mais de 30% da população.

Essa é uma das três medidas mínimas sugeridas pelos pesquisadores Luís Henrique Paiva, Pedro H. G. Ferreira de Souza, Leticia Bartholo e Sergei Soares, que simularam 72 cenários para potencializar o uso do Bolsa Família (PBF) e do Cadastro Único na redução dos prejuízos à baixa renda.

As outras ações incluem zerar a fila do Bolsa Família, com todas as famílias elegíveis incorporadas, expandindo a base para quase 15,5 milhões - hoje, são 13,8 milhões de famílias. Além disso, linhas de elegibilidade e benefícios do PBF precisariam ser reajustados permanentemente em cerca de 29%.

As mudanças propostas acarretariam aumento de R$ 68,6 bilhões nos gastos com transferências assistenciais em 2020, passando de 0,4% do PIB para cerca de 1,4%. Mais de 80% do custo adicional, porém, seria decorrente dos benefícios temporários.

Os pesquisadores alertam para a situação “dramática” da assistência social no país. Segundo o estudo, o Ministério da Cidadania estima que, para manter os serviços funcionando num contexto de normalidade, seriam necessários recursos anuais de R$ 1,7 bilhão (proteção básica) e R$ 814 milhões (especial). De 2019 para 2020, a dotação orçamentária caiu cerca de R$ 800 milhões - de R$ 1,8 bilhão para R$ 1,03 bilhão. “Considerando-se a regra de ouro e a dotação condicionada à aprovação de projeto de lei (PLN), esse valor se reduz a R$ 687 milhões.”