Valor Econômico, v. 20, n. 4971, 31/03/2020. Brasil, p. A6
Internação atingirá 20% de octogenários doentes, diz estudo
Hugo Passarelli
Quase 20% da população com mais de 80 anos contaminada pelo novo coronavírus
vai precisar de internação hospitalar, aponta estudo divulgado ontem pela
revista científica britânica “The Lancet”. O índice cai para cerca de 1% nos
pacientes com menos de 30 anos. O levantamento foi realizado a partir de 3.665
casos na China.
O
estudo estimou, por meio de análise de ocorrências reais, a probabilidade de os
pacientes desenvolverem sintomas graves a ponto de exigirem cuidados médicos
diretos. De 40 a 49 anos, a taxa é de 4,3%, índice que praticamente dobra para
8,2% entre os 50 e 59 anos. Na faixa dos 60 anos, chega a 11,8%, passando a
16,6% entre 70 e 79 anos e, finalmente, a 18,4% para as pessoas com mais
de 80 anos.
Os
autores também projetam que entre 50% e 80% da população mundial pode ser
infectada pela doença. “O número de pessoas que vão precisar de tratamento
hospitalar provavelmente sobrecarregará até os sistemas de saúde mais avançados
do mundo”, alertam os pesquisadores.
O
estudo foi realizado por especialistas das universidades Imperial College,
Queen Mary e Oxford e financiado pelo Conselho de Pesquisa Médica do Reino
Unido (UK Medical Research Council, em inglês).
“Nossas
estimativas podem ser aplicadas a qualquer país para embasar decisões sobre as
melhores políticas de contenção para covid-19”, diz a professora Azra
Ghani, do Imperial College de Londres, em comunicado. “Pode haver casos
extremos que recebem muita atenção da mídia, mas nossa análise mostra
claramente que, com 50 anos ou mais, a hospitalização é muito mais provável do
que naqueles com menos de 50 anos, e uma proporção maior de casos é fatal”,
afirma.
No
Brasil, o presidente Jair Bolsonaro tem reiterado a defesa por medidas parciais
de isolamento social, com a alegação de não paralisar a economia e a geração de
empregos e renda. A medida é contestada pelo Ministério da Saúde e pela
Organização Mundial de Saúde (OMS) e vai na contramão do que os Estados mais
afetados, sobretudo São Paulo e Rio de Janeiro, têm feito nas últimas
semanas.
O
estudo também levantou novas estimativas para a taxa de mortalidade do vírus.
Para os casos confirmados, o levantamento chegou a uma taxa de 1,38%, enquanto
a taxa geral, que inclui os pacientes não diagnosticados, mas provavelmente
afetados pela doença, é de 0,66%.
As
proporções estimadas de casos confirmados que morrerão foram baseadas em 70.117
casos confirmados em laboratório e diagnosticados clinicamente na China
continental entre 1º de janeiro a 11 de fevereiro de 2020, com valores
ajustados para demografia e casos sintomáticos não detectados. Já as taxas
brutas de mortalidade foram calculadas a partir de 44.672 casos
confirmados em laboratório.
São
números um pouco mais baixos do que outras prévias sobre a taxa de mortalidade
da doença, que variavam entre 2% e 8%. Ainda assim, são dados piores do que os
da última pandemia, a do H1N1, em 2009, que mostrou índice de 0,02%.
Segundo
os pesquisadores, a taxa menor do que a projetada nos primeiros estudos
ocorre porque as estatísticas divulgadas até então não levavam em conta, por
exemplo, que pessoas com sintomas leves nunca serão testadas - portanto, não
refletiam o número real de afetados.
As
taxas de mortalidade do novo estudo também mostraram grande variação entre as
faixas etárias, indo de 0,0016% em crianças de zero a 9 anos e 7,8% para
pessoas com 80 anos ou mais.
A
despeito de o novo vírus ter sido relativamente controlado na China, o mesmo não vale para o restante do mundo. “Embora a
China tenha conseguido conter a propagação da doença por dois meses, é
improvável que isso seja possível na maioria dos países [...],
que experimentarão epidemias comunitárias muito grandes nas próximas
semanas e meses”, dizem os pesquisadores.