Valor Econômico, v. 20, n. 4971, 31/03/2020. Brasil, p. A7

Planalto atua para esvaziar protagonismo de Mandetta

Fabio Murakawa
Matheus Schuch
Marcelo Ribeiro 


O Palácio do Planalto atuou ontem para esvaziar o protagonismo do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, na condução da crise provocada pelo coronavírus e reduzir as possibilidades de ele entrar em confronto com o presidente Jair Bolsonaro. Mandetta, porém, manteve uma linha oposta à de seu chefe, ao defender uma abordagem técnica e científica e ao pedir que a população obedeça às restrições de circulação aplicadas nos Estados.

Segundo fontes ligadas a ambos, Mandetta não cogita pedir demissão do cargo e tampouco Bolsonaro cogita demiti-lo neste momento, apesar do conflito cada vez mais evidente entre ambos.

Partiu de ministros militares a iniciativa de levar para o Palácio do Planalto a entrevista coletiva diária sobre a covid-19, que antes acontecia no Ministério da Saúde sob o comando de Mandetta. Os ministros Walter Souza Braga Netto (Casa Civil) e Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo) sugeriram a mudança de formato, que agora contará com a participação de ministros de diferentes áreas.

Ao retirar de Mandetta parte do protagonismo que vem assumindo na condução da crise, procura-se passar a mensagem de que há uma unicidade na atuação do governo no combate à pandemia, apesar da postura de Bolsonaro. Além disso, a participação de outros ministros nas coletivas abre espaço para a divulgação de ações do governo antes dos dados da evolução da doença no Brasil.

As mudanças pegaram técnicos do Ministério da Saúde e auxiliares de Mandetta de surpresa. Minutos antes da coletiva de ontem, pessoas ligadas diretamente ao combate à doença não haviam sido comunicadas. Só tiveram certeza após Braga Netto anunciar publicamente a mudança na abertura da entrevista.

Ontem, além de Mandetta e Braga Netto, participaram os ministros Tarcísio Freitas, de Infraestrutura, Onyx Lorenzoni, da Cidadania, André Mendonça, da Advocacia-Geral da União, e Raul Botelho, chefe do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas.

Mandetta, porém, segue defendendo uma abordagem técnica no combate à pandemia. Ele fez questão de pontuar isso ontem, além de recomendar “o máximo grau de distanciamento social” e de pedir à população que siga as recomendações dos governadores, com quem Bolsonaro vem se estranhando.

“Enquanto eu estiver nominado, vou trabalhar com a ciência, com a técnica e com o planejamento [...]. No momento, [a população] deve manter o máximo grau de distanciamento social, para a que a gente possa, nas regras que estão nos Estados, dar tempo para que o sistema se consolide na sua expansão”, disse. “Por enquanto, mantenham as recomendações dos Estados porque esta é, no momento, a medida mais recomendável já que temos muitas fragilidades ainda no sistema de saúde.”

As divergências entre o ministro e o presidente, que vem adotando um discurso de confronto, desgastam a relação entre ambos. Porém, na avaliação de interlocutores, Mandetta sabe que está fortalecido e não pensa em pedir demissão.

O ministro não quer ser acusado de abandonar o posto em um momento delicado. Prefere deixar a Bolsonaro o ônus de demitir um quadro técnico em meio à crise. É possível que, passada a fase aguda da pandemia, essa postura mude.

Aliados e auxiliares de Mandetta têm pedido a ele que “resista no cargo”. Recomendaram, inclusive, cautela ao ministro ao abordar o tour de Bolsonaro por Brasília, desrespeitando as orientações da OMS e do Ministério da Saúde.

Ontem, falando ao jornal “O Globo”, Mandetta criticou o passeio de domingo de Bolsonaro, mas contemporizou dizendo que a questão é “secundária”. “Só repito: não recomendamos”, disse o ele, sobre a saída do presidente. “Permanece a recomendação do Ministério da Saúde para todos.”

A ideia é que o ministro permaneça na posição firme em relação ao isolamento, com respaldo na experiência de outros países, onde várias autoridades foram obrigadas a reconhecer que erraram em resistir a quarentena.

O ministro recebeu a orientação de seguir firme em suas posições, mesmo que desagrade Bolsonaro. Isso porque há a percepção de que o chefe do Poder Executivo está cada vez mais isolado em sua defesa pela flexibilização das medidas de prevenção.

Além dos governadores e dos chefes dos outros Poderes, auxiliares de outras áreas também têm demonstrado insatisfação com o presidente. A mudança de postura do presidente dos EUA, Donald Trump, em relação ao combate à pandemia deixam a postura de Bolsonaro ainda mais solitária.

O presidente, por sua vez, está contrariado com o comportamento do ministro. Mas, segundo auxiliares, Bolsonaro também tem ciência de que tirar Mandetta do cargo é impossível no momento. Ele chegou a ouvir pedidos de populares para que mantenha o ministro, ontem, na portaria do Palácio da Alvorada. A atuação do ministro na crise alçou sua popularidade a um nível mais alto do que a do próprio presidente. Assim como Sergio Moro e Paulo Guedes, os dois “superministros” de Bolsonaro, Mandetta tornou-se indemissível. (Colaboraram Murillo Camarotto, Lu Aiko Ota e Rafael Bittencourt)