Título: Do quartel para o ferro-velho
Autor: Gustavo de Almeida
Fonte: Jornal do Brasil, 24/11/2005, Rio, p. A13
Polícia Civil encontra em depósito particular 25 toneladas de projéteis do Exército que seriam derretidos para venda
Da natureza, nada se perde, tudo se transforma, segundo a Lei de Lavoisier, de conservação das massas. O ditado vale até para as coisas que não são propriamente naturais, como 25 toneladas de projéteis de três calibres diferentes, encontrados na tarde de terça-feira em Ramos por policiais civis da Delegacia de Roubos e Furtos. Um major intendente (responsável pelo setor de compras do Exército), cujo nome está sendo mantido em sigilo pela polícia, pode ser responsável pelo maior desvio de munição da história do Exército Brasileiro, se forem comprovadas as irregularidades. Dos projéteis, tudo se aproveitava - a cápsula em si, derretida para ser transformada em lingotes de chumbo e vendidas a R$ 1,80 o quilo. A ''jaqueta'', feita de liga de ferro, triturada e transformada em limalha, também vendida para uso industrial. A polícia encontrou, na sala do gerente da fábrica, material de campanha, usado pelo major para dormir no local. O material depositado na fábrica, que inclui ainda duas toneladas de chumbo já derretido e processado, vale aproximadamente R$ 50 mil.
Dez civis trabalhavam - sem vínculo empregatício formal - no derretimento da munição, ganhando R$ 100 por semana. Um deles, Alex Sandro da Conceição, tinha antecedentes criminais: prisão por tráfico. Todos os dez trabalhadores moravam na região do entorno da fábrica Detalinox - há pelo menos 43 favelas na área. Segundo fontes da Polícia Civil, não foi encontrado qualquer aparato de segurança para o material. Um rolo compressor também estava na fábrica, alugado a terceiros por uma diária de R$ 500.
Os projéteis, procedentes do Exército, seriam, segundo o Relações Públicas do Comando Militar do Leste, coronel Fernando Lemos, excedente do depósito de munições de Paracambi. Ainda segundo Lemos, está aberta a possibilidade de haver irregularidade administrativa. Para que houvesse qualquer transação financeira envolvendo o material obtido com o derretimento do chumbo, seria necessária uma licitação - o CML vai apurar se os procedimentos foram tomados.
Da parte da Polícia Civil, foi feito o registro de ocorrência 000508/1904/05 e pedida a perícia ao Instituto de Criminalística Carlos Éboli (ICCE) a fim de constatar que, ao contrário do que afirmaram o major e o dono da fábrica, Agripino Breto, a munição ainda não era ''inservível''.
Procurado pelo Jornal do Brasil, o delegado da DRF responsável pela operação, Maurício Luciano, foi lacônico. Ressaltando que a munição encontrada no local era nova e não usada, limitou-se a dizer:
- De fato fomos ao local e constatamos um modo de operar que não é o do Exército Brasileiro. Não havia número de lote, não havia guia de pesagem e contagem, e o máximo de documentos que nos apresentaram por fax foi uma autorização para inutilização do material. Só que era para um procedimento a ser feito dentro de área militar, o que não foi o caso. Esperamos três horas por uma explicação, que não houve. Mas ressalto que tudo está sendo feito por meio do Comando Militar do Leste, a quem informamos o que é de direito.
De acordo com o apurado pelo Jornal do Brasil, o major intendente que estava na fábrica está com a transferência acertada para a cidade de Corumbá (MS). Apesar de o delegado Maurício Luciano não ter informado sobre a possível abertura de inquérito, se sabe que a polícia trabalha com a hipótese de o major intendente ter acumulado sobras de várias compras feitas a diferentes unidades do Exército e levado para a Detalinox aos poucos, para transformação em material para venda. Os policiais da DRF não quiseram dar declarações ontem, mas fontes da Polícia Civil informaram que as investigações consideram a hipótese de haver amizade pessoal entre o dono da Detalinox e o major intendente responsável pelos projéteis.