O Globo, n. 32550, 19/09/2022. Brasil, p. 12

Saída forçada

Bruno Alfano


Cayo Grandis, de 12 anos, está fora da escola há três anos. Autista intermediário, o menino sofre com o despreparo de escolas públicas e privadas de lidarem com sua condição. Sem professor de apoio ou com esse profissional sendo substituído muitas vezes ao longo do ano, a criança acabava isolada, sem trabalho pedagógico adequado e, às vezes, correndo até risco pela sua segurança, segundo a mãe.

— Numa escola privada que ele estudou, a professora o levava para a sala do castigo quando tinha crises e gritava. Na pública, eu ficava do lado do lado de fora esperando por ele. Uma vez eu o vi saindo sozinho e estava quase atravessando a rua. Por sorte, eu estava lá, na porta da escola —conta Irene Alves, mãe de Cayo, que busca uma nova escola para a criança em 2023.

— Tenho me informado sobre escolas e já vou visitar algumas. Mas vamos ver se alguma vai merecer. Já sofri muito preconceito por isso. Além disso, vou tentar pagar alguém para acompanhá-lo durante as aulas.

No fim de agosto, um estudo da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais e da Unesco mostrou que, apesar de o número de estudantes com deficiência matriculados no ensino fundamental ter aumentado entre 2013 e 2017, parte deles abandona as escolas durante o ensino regular ou quando mudam de nível educacional.

— Na transição entre as etapas, a gente percebe que os alunos, em geral, mesmo os sem deficiência, abandonam as escolas. No final do 4º e início do 5º ano, a gente percebe de forma evidente, assim como no final do 9º ano e início do ensino médio. Entretanto, essa perda, no caso entre os alunos com deficiência, é maior — explica Valéria Oliveira, do Núcleo de Pesquisa em Desigualdades Escolares (Nupede) e uma das coordenadoras do estudo.

Especialistas em educação e famílias de crianças com deficiência apontam que uma série de barreiras prejudica a retenção desse estudante. Uma delas é a falta de professores de apoio, um profissional docente responsável por garantir atenção pedagógica especializada ao aluno com deficiência. Outra figura que faz falta é a do funcionário que auxilia essas crianças da porta da sala para fora, em cuidados diversos que eles necessitam.

É comum que as escolas reduzam o tempo de atendimento dessas crianças em apenas duas horas por dia ou que solicitem a presença de um parente do aluno o tempo todo dentro da sala de aula. Moradora de São Paulo, Rosinete Pongelupe foi avisada pela escola que precisa acompanhar o filho durante o recreio. Sem a presença dela, ele não pode ficar no colégio.

— Sou profissional liberal e precisei trabalhar nas últimas duas semanas. Por isso, ele ficou sem estudar — conta. — Estou pensando em matricular ele em uma escola de educação especial em 2023.

Em Campo Maior, no Piauí, a solução encontrada pela prefeitura foi o rodízio de estudantes. São três profissionais para lidarem com 17 crianças com deficiência, conta Luanna Santos, mãe de uma criança da creche com autismo.

— Meu filho só estuda dois dias na semana. É como se eles não ligassem para o futuro dos nossos filhos — afirma Santos.

Só neste mês, houve protesto contra diversas prefeituras, como Araçatuba (SP), Campo Grande e Porto Alegre, por grupos formados por pais e mães de crianças com deficiência, que pressionam por melhores condições de atendimento e falta de profissionais cuidadores e professores de apoio.

— Matrícula e aceitação dos filhos na rede de ensino não é inclusão. A escola é que tem que se adaptar às crianças com deficiência — afirmou Sabrina Adams, mãe de aluno e secretária da Associação dos Pais e Amigos dos Autistas de Viamão, no Rio Grande do Sul, durante audiência pública sobre o tema na Assembleia Legislativa.

A inclusão de alunos com deficiência em classes regulares dobrou desde 2011 — passando, segundo o Censo Escolar, do Inep, de 558 mil para 1,15 milhão de estudantes em 2021. Os desafios agora estão em tornar as escolas mais acessíveis. Dados do Censo mostram que nem a metade das escolas do país está equipada com rampas ou banheiros acessíveis, por exemplo. Além disso, só uma em cada cinco escolas públicas possui atendimento educacional especializado para crianças com deficiência, enquanto 1.117 municípios não têm nenhum colégio com essa oferta.

Estudos mostram que crianças com deficiência incluídas desenvolvem habilidades mais fortes em leitura e matemática, são menos propensas a problemas comportamentais e mais aptas a completar o ensino médio que as não incluídas. Além disso, alguns trabalhos também mostram que a inclusão de crianças com deficiências em turmas regulares garante benefícios para todos os alunos da sala, formando crianças menos preconceituosas e mais receptivas às diferenças.