Valor Econômico, v. 20, n. 4971, 31/03/2020. Política, p. A10

Guedes compromete tramitação de emendas

Marcelo Ribeiro
Ribamar Oliveira
Isadora Peron 


O ministro da Economia, Paulo Guedes, pode ter dificultado, involuntariamente, a tramitação de duas PECs que estão no Senado - a Emergencial e a do Pacto Federativo -, ao afirmar que não é a favor da redução do salário dos servidores para viabilizar recursos para o combate ao coronavírus.

Nos bastidores, parlamentares informaram que o chefe da equipe econômica estava alinhado com o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), na defesa da redução da remuneração dos servidores, mas, diante do diagnóstico de que a proposta enfrentava resistência da área política, resolveu se reposicionar “em um gesto para não ficar mal com o funcionalismo”.

Com o desembarque, Guedes contribui para um novo desgaste entre Executivo e Legislativo, o que pode atrapalhar a tramitação de propostas não relacionadas à pandemia, como as PEC Emergencial e a do Pacto Federativo, que têm regras duras em relação ao funcionalismo, como aquela que permite a redução da jornada de trabalho.

Fontes avaliam que a manobra tem potencial para piorar ainda mais a interlocução entre o ministro e a cúpula do Congresso. Segundo relatos, até semana passada, Guedes e outros integrantes da equipe econômica trabalhavam em uma proposta de emenda constitucional (PEC) que previa a redução de jornada e de remuneração dos servidores até o fim de 2024, de até 25%.

De acordo com fontes, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, informou a membros de pelo menos uma associação de magistrados que as propostas que tratavam de redução da remuneração dos servidores estavam “paralisadas” e só voltariam à pauta caso houvesse consenso entre os Poderes.

Em caráter reservado, um integrante do STF afirmou que não acredita que a proposta seja “factível inicialmente”, já que as mudanças poderiam afetar “setores imprescindíveis nesse momento”. O magistrado defendeu, porém, que pode ser o momento “para ajustar abusos que ocorrem nos Estados, de superteto”.

No Congresso, lideranças do Centrão também sinalizaram que o texto tinha poucas chances de aprovação entre seus parlamentares. Diante da resistência de diversos setores, Maia teria informado à equipe econômica a importância de trabalhar em uma articulação conjunta para que o texto avançasse.

Após o diagnóstico do parlamentar do DEM, Guedes mudou de posição para evitar “uma derrota” ao apoiar um projeto que tem poucas chances de prosperar. No fim de semana, ele disse, em videoconferência com a XP Investimentos, que a redução do salário do funcionalismo “não faz sentido macroeconomicamente neste momento de crise”. O ministro acredita que seria melhor congelar eventuais reajustes da remuneração dos servidores por dois ou três anos.

“Já que setor privado foi para o desemprego, para a dificuldade, foi para o auxílio emergencial, o funcionário público que está em casa, no isolamento, recebendo salário integral, então, pelo menos contribua com o Brasil. Quebra essa espiral de aumentos por pelo menos dois, três anos”, disse o chefe da equipe econômica.

Após a fala de Guedes, o presidente da Ajufe, Fernando Mendes, destacou, em nota, a fala do ministro. “O ministro Paulo Guedes disse ser contra a redução dos salários dos servidores públicos, assim como é contra aumentar a tributação das grandes empresas, pois, com a provável depressão econômica que se avizinha, não é hora de retirar recursos da economia real. Disse preferir alongar o tempo sem conceder reajustes, que já era uma ideia para a PEC emergencial”.

O recuo de Guedes irritou integrantes da cúpula do Congresso, que avaliam que as chances de aprovação das PECs que tramitam no Senado “caíram drasticamente”. “Impossível aprovar qualquer redução de salário agora. O ministro está cometendo muitos equívocos para ficar bem com o funcionalismo”, apontou um importante parlamentar.